O preço do minério de ferro parece estável nos arredores de US$ 100 por tonelada. Mas a aparência de equilíbrio esconde um mercado movido por estoques emergenciais, incertezas geopolíticas e demanda fraca.
Desde que Donald Trump reassumiu a Casa Branca e reafirmou a tarifa de 25% sobre aço e alumínio em 10 de fevereiro, o mercado entrou em modo de precaução. A medida ficou fora da “pausa de 90 dias” para novas tarifas e reacendeu o temor de distorções no comércio global de metais.
O minério de ferro, insumo do aço, não foi diretamente tarifado. Ainda assim, a tensão impulsionou compras preventivas: usinas chinesas e traders aproveitaram preços baixos — que tocaram os US$ 95/t em janeiro — e fretes marítimos favoráveis para engordar seus estoques. Nos dois primeiros meses do ano, as importações chinesas cresceram 2,6% em relação a 2024, alcançando 191 milhões de toneladas. Em abril, os estoques nos portos superaram 142 milhões de toneladas, o maior nível desde 2023.
O estoque elevado nos portos chineses cria hoje um ambiente de menor pressão por novas compras, o que puxaria os preços para baixo. Mas, diante desse quadro, os vendedores — mineradoras e tradings — têm administrado a oferta disponível no mercado para evitar uma queda mais brusca nas cotações. É esse movimento de dosagem da oferta que sustenta temporariamente o preço na faixa dos US$ 100 por tonelada.
Ainda assim, o equilíbrio é frágil. Sem uma recuperação consistente da demanda ou uma redução relevante dos estoques, o espaço para manter essa sustentação se torna cada vez mais estreito. A CRU Group projeta que o minério oscile entre US$ 95 e US$ 105 nos próximos meses, mas com tendência de baixa no segundo semestre.
O fator chave é a economia chinesa: sem um pacote robusto de estímulo, o consumo de aço deve permanecer fraco, especialmente na construção civil. E no cenário com as novas tarifas fica ainda mais difícil imaginar um horizonte de crescimento robusto para o país de Xi Jinping.
A visão das mineradoras é cautelosa, mas menos pessimista. No primeiro trimestre de 2025, a Vale reportou queda de 17% no lucro líquido, para US$ 1,39 bilhão, e uma redução de 16% no preço médio de venda do minério. Na conversa com analistas, o CFO foi direto:
“Abaixo de US$ 90, uma parte importante da produção global fica debaixo d’água. Não há razão para o mercado se afastar muito de US$ 100”, disse Marcelo Bacci.
O CEO, Gustavo Pimenta, reforçou o discurso focando na competitividade da companhia:
“A atual guerra comercial só reforça a importância de construir um negócio competitivo que possa ser bem-sucedido sob diferentes condições de mercado. E é exatamente isso que estamos fazendo na Vale.”
A mineradora brasileira aposta na resiliência de seus custos, que giram em torno de US$ 21 por tonelada – um patamar não muito distante dos US$ 17 que as gigantes BHP e Rio Tinto conseguem na região da Pilbara, na Austrália. Concorrentes da Índia e da África do Sul costumam ter custos acima de US$ 40/t. A competitividade brasileira também se apoia na qualidade do minério extraído aqui (65% Fe em Carajás, a maior mina da Vale, contra os 62% de ferro do padrão internacinal). Mas o ambiente global cada vez mais incerto pressiona todos os lados.
Se o Brasil sente a pressão, a Austrália sente ainda mais. O minério de ferro representou cerca de 10% das exportações brasileiras em 2024, somando US$ 29 bilhões. Já para a Austrália, o minério corresponde a mais de 35% da pauta de exportações.
A exposição maior torna os australianos mais vulneráveis a oscilações de preço. E o último balanço da BHP confirmou essa preocupação: a mineradora viu o lucro cair 26% no semestre fiscal e advertiu que “um ciclo prolongado de tensões comerciais reduz seriamente a visibilidade da demanda chinesa”. Se a China desacelerar a reposição de estoques sem uma retomada de consumo interno, o baque pode ser mais profundo na Oceania do que na América do Sul.


A engrenagem que hoje sustenta o minério em torno dos US$ 100 depende basicamente da administração dos estoques chineses. Se o volume atual, acima de 140 milhões de toneladas, começar a cair de forma consistente — rompendo a barreira dos 120 Mt— o preço pode ganhar fôlego, mesmo sem grandes estímulos adicionais. Se, ao contrário, o estoque crescer além dos 150 Mt, a pressão vendedora tende a se intensificar.
No médio prazo, uma nova variável entrará no mercado: a mina de Simandou, na Guiné. Com minério de alta qualidade (65% Fe) e potencial de até 120 milhões de toneladas anuais (2/3 de Carajás), Simandou deve iniciar suas operações a partir de 2026. A entrada desse volume extra pode alterar a dinâmica de oferta e adicionar ainda mais pressão sobre os produtores tradicionais.
Para a Vale, o momento é de vigilância: a competitividade em custo segue como principal proteção contra choques.
O preço do minério de ferro, hoje, é menos reflexo da força industrial global e mais produto de estratégias de estoque e gestão de risco. Se não houver sinais de fortalecimento na demanda chinesa, o piso de US$ 100 pode rapidamente deixar de ser piso.
Colaborou Sérgio Tauhata.
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