
O funeral do papa Francisco, marcado para a manhã deste sábado (26), foi planejado para ser um evento simples, honrando a humildade do homem à frente da Igreja Católica. Mas a presença do presidente dos EUA, Donald Trump, o transformou em um palco de alto nível para a diplomacia internacional, que vive um momento de turbulência geopolítica.
Com o mundo imerso em uma guerra comercial, os mercados oscilando violentamente e um cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia pendente, todos, de Volodymyr Zelenskiy da Ucrânia a Keir Starmer da Grã-Bretanha e Emmanuel Macron da França, estão buscando um rápido encontro com o imprevisível líder americano. Essa será sua primeira viagem ao exterior desde a posse, em janeiro.
A breve estadia, com sua mistura de cerimônia religiosa e negociações políticas, lembra o cenário da reinauguração da catedral de Notre Dame em dezembro. A aparição de Trump naquela ocasião também foi motivo para muitos correrem até Paris para negociações-relâmpago.
50 chefes de estado
Em Roma, Trump se juntará a 50 chefes de estado que, além de prestar suas homenagens a Francisco, esperam cruzar caminhos com o presidente na Basílica de São Pedro ou nas margens do evento.
Antes de partir para Roma, o republicano indicou que estava aberto a encontros. Mas, como sua estadia será curta, a janela para conduzir qualquer negócio é estreita.
“Eu gostaria de me encontrar com todos eles”, disse Trump nesta quinta (24). “Isso seria bom. Eu gostaria de resolver tudo com eles, mas temos muitos líderes lá, e todos querem se encontrar, e querem falar sobre comércio, e estamos fazendo avanços e acordos incríveis.”
Para a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, é uma oportunidade de se estabelecer firmemente como um dos principais canais de acesso a Trump, talvez orquestrando uma conversa tripla sobre comércio com Ursula von der Leyen — a presidente da Comissão Europeia com quem Trump ainda não falou desde que chegou ao poder.
Meloni o visitou há pouco mais de uma semana em Washington — onde ele a elogiou bastante — e mais tarde hospedou o vice-presidente JD Vance, um católico e recente convertido, que também encontrou o Papa Francisco, um dia antes de ele falecer.
A arte do negócio
Não está claro o que se ganha em troca mesmo quando Trump gosta de você ou se você o lisonjeia — no final, quase ninguém foi poupado do tarifaço desse mês. No caso do trumpista Javier Milei, a boa relação rendeu alguns dividendos para a Argentina, com a aprovação de um empréstimo do FMI, apesar dos sinais de alerta levantados dentro da instituição.
Um enlutado no funeral que talvez não esteja buscando Trump é Joe Biden. Um católico devoto que se encontrou com Francisco várias vezes — incluindo quando Meloni fez o gesto inédito de levar o papa ao Grupo dos Sete na costa adriática — o ex-presidente americano é frequentemente culpado por Trump por todos os problemas dos Estados Unidos, de guerras a problemas econômicos.
Putin ausente
Com tantos em Roma, uma ausência notável será a de Vladimir Putin, da Rússia — que escapou do castigo das tarifas e receberá Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Xi Jinping, da China, em Moscou para o Desfile do Dia da Vitória em 9 de maio.
Em 2019, Trump ficou lisonjeado por ter sido convidado para o que equivale a uma celebração vistosa do poderio militar russo no aniversário da derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Desta vez, as circunstâncias não estão se alinhando. O presidente dos EUA está com pressa para declarar uma vitória diplomática ao intermediar o fim da guerra na Ucrânia e, nos últimos dias, expressou raras críticas à Rússia, com o marco de 100 dias de seu segundo mandato se aproximando rapidamente.
Lula já chegou a Roma nesta sexta — e deve evitar cuidadosamente seu arqui-inimigo libertário Milei, como tem feito agora em várias reuniões.
EUA x China
É improvável, porém, que Xi tome uma decisão de última hora para comparecer. As duas potências econômicas estão falando uma com a outra, com Trump insistindo que há negociações em andamento sobre comércio, enquanto Pequim nega. A tensão tem perturbado os investidores.
Um encontro no Vaticano teria consequências enormes — e também seria constrangedor. A Santa Sé não tem relações formais com a China, embora as tenha com Taiwan. Houve alguma reaproximação com Pequim e a presidente de Taiwan, Lai Ching-te, não estará presente, embora o ex-vice-presidente Chen Chien-Jen esteja lá para representar a ilha.
Uma questão em aberto é se Trump usará o momento para oferecer alguma sugestão sobre quem deveria liderar a seguir os 1,4 bilhões de católicos do mundo.
O conclave — uma reunião a portas fechadas de cardeais para selecionar o próximo papa — se reunirá nas próximas semanas. O processo secreto é famosamente difícil de prever.
O padre James Martin, editor sênior da America Magazine, uma publicação jesuíta, disse que é normal que essas reuniões considerem a política global dos tempos ao fazerem sua escolha.
“É natural para o colégio de cardeais considerar os sinais dos tempos, ou seja, o que está acontecendo no mundo”, disse ele. “Portanto, falando de forma ampla, eles considerarão a situação geopolítica.”


Trump e o papa Francisco
O relacionamento entre Trump e Francisco nunca foi fácil, pontuado por confrontos sobre questões como imigração e mudanças climáticas que sublinharam as profundas divisões entre católicos conservadores e liberais nos EUA. No início deste ano, Francisco criticou as políticas migratórias da administração Trump, que incluem deportações forçadas.
Até agora, Trump não se manifestou sobre quem deveria ser o próximo. Na Casa Branca esta semana, ele disse sobre Francisco: “Ele amava o mundo, e especialmente as pessoas que estavam passando por dificuldades — e isso está bom para mim.”
Michael Moreland, professor de direito e religião na Universidade Villanova, acredita que qualquer tentativa de influenciar o conclave com “qualquer campanha ou lobby de fora correria o risco de ter o efeito contrário”.
Trump, que atraiu fortemente a direita religiosa, venceu a maioria dos votos católicos na eleição presidencial de 2024. Ele foi apoiado por católicos conservadores e tem vários católicos servindo em sua administração, incluindo Vance.
Vance foi questionado sobre a direção que gostaria que o próximo papa desse à Igreja, mas se recusou a responder: “Não vou fingir dar orientações aos cardeais sobre quem eles deveriam selecionar como próximo papa. Temos muitos problemas para nos concentrar nos Estados Unidos.”
Resta saber se Trump se manifestará. Francisco era conhecido por sair do roteiro de vez em quando, e não sem consequências. Sua defesa da causa palestina, críticas a Israel e teleconferências diárias para uma igreja em Gaza levaram o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu a ordenar que embaixadores deletassem postagens nas redes sociais expressando suas condolências.
A cerimônia começará às 10h deste sábado, atraindo cerca de 250 mil pessoas. E, apesar de todos os convidados de alto perfil e da importância da ocasião, era desejo firme de Francisco dispensar toda a pompa e circunstância que geralmente acompanham a morte de um papa.
Seu pedido final, deixado em um testamento compilado em 2022, era simples: ser enterrado em solo nu em um único caixão de madeira gravado com uma palavra em latim: “Franciscus”.
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