Thomas Reisinger viaja quase uma hora e meia para ir e voltar ao trabalho em uma enorme usina de processamento de aço. “Eu não acelero”, ele disse secamente.
Alguns de seus colegas de trabalho vêm de muito mais longe, incluindo um que passa as semanas morando em um trailer e só volta para casa nos fins de semana. Este canto do leste do Arkansas está repleto de parques de trailers que atendem aos trabalhadores.
Os Estados Unidos precisarão de muitos outros trabalhadores como eles para concretizar a visão do presidente Donald Trump, de um setor industrial enormemente expandido. A indústria siderúrgica – atingida por tarifas de 25% como um dos primeiros ataques da guerra comercial de Trump – é um excelente exemplo de sua busca por usar impostos sobre importações para reconstruir a indústria no coração dos EUA.
Mão-de-obra
Mas a concorrência estrangeira – embora seja um entrave aos preços do aço – não é o maior desafio para as siderúrgicas. O maior desafio é encontrar mão-de-obra.
O slogan do Condado de Mississippi é a “terra do aço“, e isso não é exagero. Quase um quarto dos 20.000 empregos no condado estão em grandes siderúrgicas de propriedade da Nucor e da US Steel, além de empresas auxiliares como fabricantes de tubos e outros processadores de metais que se mudaram para cá para ficar perto delas, de acordo com a Chmura Economics & Analytics, uma empresa de análise econômica.
Clif Chitwood, presidente da Fundação de Desenvolvimento Econômico do Condado de Mississippi, estima que 9% dos empregos diretos nas siderúrgicas são preenchidos por trabalhadores que vêm de distâncias tão grandes que vivem em trailers ou apartamentos baratos durante a semana de trabalho.
Grandes deslocamentos
“Muitos desses caras trabalham em turnos de quatro dias e 12 horas – e depois têm quatro dias de folga – o que permite que alguns morem a cinco ou seis horas de distância”, disse ele. Alguns até dividem acomodações temporárias com trabalhadores em turnos opostos, acrescentou.
O mercado de trabalho aquecido na região reflete tendências locais e nacionais.
Os EUA pararam de treinar operários fabris há décadas. Aposentadorias e medidas repressivas contra a imigração estão esgotando a mão de obra disponível. Muitos norte-americanos passaram a considerar esses empregos precários, à medida que a globalização forçou o fechamento de setores da indústria nacional.
Escassez de mão-de-obra
Pouco mais de 20% das fábricas nos EUA que disseram não ter conseguido produzir com capacidade máxima citaram a escassez de mão-de-obra ou de habilidades específicas como o principal motivo, de acordo com dados recentes do Census Bureau.
Questionado sobre a falta de habilidades na indústria, o porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, disse que mais de um em cada dez jovens adultos nos Estados Unidos não estava empregado, não frequentava o ensino superior ou não estava buscando algum tipo de treinamento vocacional.
“Não há escassez de potencial inexplorado na força de trabalho que já temos para expandir nosso setor manufatureiro”, disse ele.
O Condado de Mississippi – mesmo com o florescimento da indústria siderúrgica – passou por décadas de declínio econômico, o que prejudicou a qualidade de vida.
Salários acima da média
Atualmente, menos da metade dos trabalhadores da siderurgia na “terra do aço” vive no condado. Bons salários ajudam a cobrir os custos de deslocamento ou de moradia temporária.
Os salários são realmente bons. Os trabalhadores das indústrias metalúrgicas do condado ganham em média pouco mais de US$ 116.000 por ano, muito acima da média de US$ 69.000 de todos os setores do condado, segundo Chmura. Os trabalhadores das grandes siderúrgicas podem ganhar muito mais, graças aos bônus vinculados à produção.
Mas dirigir pelo condado revela poucos sinais dessa prosperidade. O Condado de Mississippi, uma extensão predominantemente plana às margens do rio Mississippi, outrora dominada por fazendas de algodão, vem perdendo habitantes há décadas. Sua população atingiu o pico em 1940, com cerca de 88.000 habitantes, e caiu para menos da metade.
Blytheville – que divide a sede do condado com a única outra cidade da região de tamanho considerável, Osceola – foi particularmente afetada na década de 1990 pelo fechamento de uma base da força aérea em seus arredores, que antes abrigava bombardeiros estratégicos. Seis mil pessoas partiram em apenas dois anos após o fechamento.
Outros fabricantes não se saíram tão bem quanto o aço. Um lembrete disso é um prédio de tijolos nos arredores da cidade, com janelas fechadas com tábuas e gramado coberto de mato, que já foi uma movimentada fábrica de camisas. Uma placa na porta da frente diz: “Este prédio é dedicado à prosperidade industrial de Blytheville.”
Um legado dessa longa crise econômica é um centro da cidade devastado, pontilhado de lojas vazias. A escola secundária local, que tinha 800 alunos há duas décadas, agora tem apenas 460 – e o distrito tem a pior classificação do estado em desempenho escolar. A taxa de pobreza do condado é de 21%, bem acima da média estadual de 15,7%, segundo o Census Bureau.
“A moradia é a nossa maior crise”, disse Melisa Logan, prefeita de Blytheville. “Somos um deserto habitacional.”
Incentivo para moradia
O problema é tão grave que eles lançaram um programa, financiado em grande parte por siderúrgicas, que oferece aos trabalhadores 10% do valor de uma casa nova, até US$ 50.000 em empréstimos perdoáveis, se construírem uma residência e permanecerem no emprego por quatro anos. A maioria dessas casas está sendo construída em pequenos vilarejos periféricos, considerados distritos escolares de melhor qualidade.
Chitwood, da agência local de desenvolvimento econômico, disse que 151 novas casas foram construídas no condado nos últimos 15 meses. “É mais do que os 20 anos anteriores combinados, talvez mais”, disse.
A desconexão entre uma indústria siderúrgica próspera e uma economia local decadente destaca um problema que qualquer região enfrenta ao tentar reconstruir sua base industrial.
Receio dos americanos
Um dos principais desafios para atrair os norte-americanos para o trabalho nas fábricas é a percepção, em grande parte correta, de que mesmo os fabricantes que investem em novas operações promissoras irão fechá-las ou restringi-las quando a economia piorar.
Reisinger, o trabalhador que se desloca por quase uma hora e meia, gosta de seu trabalho com máquinas na Atlas Tube, uma divisão da Zekelman Industries, sediada em Chicago.
Ele tem 55 anos e cresceu em Blytheville, mudando-se para diferentes cidades durante a carreira.
“Eu sempre disse que nunca dirigiria tão longe para conseguir um emprego”, afirmou. Mas quando voltou para a região em 2016, conheceu sua atual esposa, que queria morar perto de onde cresceu. E tem também o dinheiro. Ele ganha mais de US$ 30 por hora, o que permite que eles vivam bem.
Greg Galbraith, um colega de trabalho da Atlas que se desloca de casa a uma hora de distância, no Tennessee, aponta outro problema. “Esta não é uma área muito boa”, disse. “Não há muito o que fazer, e a taxa de criminalidade é alta.”
Menos proteção contra demissões
A indústria siderúrgica na região não é sindicalizada, o que significa menos proteção contra demissões. Essa é cada vez mais a norma. Menos de 10% dos trabalhadores norte-americanos são sindicalizados, segundo o Departamento do Trabalho, em comparação com pouco mais de 20% em 1983.
“Todos os fabricantes estão com dificuldades para encontrar talentos. Isso não é exclusividade nossa”, disse Katherine Miller, porta-voz da Nucor, a maior siderúrgica do país, que opera três grandes usinas no condado.
Jerald Gaines, gerente geral da fábrica de laminados planos da Nucor, disse que eles conseguem atrair trabalhadores, mas não é tão fácil quanto no passado.
Liderando o caminho pela fábrica, onde o aço é progressivamente laminado em chapas mais finas, Gaines subiu uma série de escadas de metal até uma das cabines de controle com ar-condicionado, localizadas bem acima do piso de produção, chamadas de púlpito. Lá dentro, os trabalhadores vigiam através de janelas e de uma série de telas de computador dispostas ao longo das paredes.
Diploma
Um dos atrativos desses empregos é que os trabalhadores iniciantes precisam apenas de diploma do ensino médio ou equivalente. Empregos especializados, como metalúrgico, exigem diplomas ou outras qualificações.
Um lugar que está formando mais talentos locais na indústria é o Arkansas Northeastern College, que tem um campus arborizado nos arredores da cidade. Um quarto dos alunos, ou cerca de 300, estuda áreas como soldagem e reparo de aeronaves. Os administradores dizem que quase todos esses alunos acabam indo para as siderúrgicas.
Alyssa Summerville é uma delas. A jovem de 19 anos se forma no mês que vem em um programa de dois anos no qual trabalhou meio período em uma das grandes usinas da US Steel nas proximidades.
“Eu sempre quis sair do Condado de Mississippi”, disse ela, até ouvir sobre o programa.
A jovem trabalhará com uma equipe que faz a manutenção dos guindastes gigantes que movimentam o aço dentro da usina. “Isso é algo que eu nem sabia que queria fazer.”
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