16 de abril de 2025

Escrevinhador, mulheres e política: vale a pena le…

Uma das mulheres mais importantes na vida de Mario Vargas Llosa foi Margaret Thatcher – e não faltaram episódios agitados na trajetória sentimental do escritor. Por causa dela, foi morar na Inglaterra e escreveu O Sonho do Celta. Quando foi obrigada a deixar o poder, mandou à primeira-ministra um buquê de rosas vermelhas e a mensagem: “Senhora, não existem palavras suficientes no dicionário para descrever o que fez pela causa da liberdade”.

Thatcher arrematou um dos processos mais difíceis que existem na vida de um intelectual: deixar o conforto quase religioso e tribal da esquerda, com todo o apelo emocional que as utopias provocam, e marchar em direção do liberalismo. A direita não promete nada semelhante a um mundo novo, fora o supremo valor da liberdade, e ainda obriga à convivência, nem sempre confortável, com figuras muito menos que admiráveis.

Vargas Llosa fez essa trajetória com coragem e brilho, além de erros – quem não os comete?

Poderia ter continuado a ser um comunista combativo, sonhando com o dia em que toda a América Latina seria cubanizada – “Dentro de dez, vinte ou cinquenta anos, terá chegado a todos os nossos países, como agora em Cuba, a hora da justiça social e a América Latina inteira terá se emancipado do império que a saqueia, das castas que a exploram, das forças que hoje a ofendem e reprimem”, escreveu em 1967, uma época ainda compatível com essas ideias no arraial do Terceiro Mundo.

“FORMA DA MALDADE”

Poderia ter se calado diante do desastre cubano e da perseguição a intelectuais, mudando de assunto ou discretamente se afastando – o suficiente para não ter levado tantas pancadas da esquerda, sendo chamado no sempre imitado Le Monde, via Ignacio Ramonet, de “furibundo sectário que corre o mundo arengando em foros neoliberais”

Poderia não ter lido Hayek (O Caminho da Servidão) e Karl Popper (“Se me perguntassem qual o livro de filosofia mais importante do século, não duvidaria um segundo em escolher A Sociedade Aberta e seus Inimigos).

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E, acima de tudo, poderia ter não concorrido à presidência do Peru em 1990, gerando uma frase radical – “A política é uma das formas da maldade. O pior erro que cometi na vida” – e uma derrota acachapante para Alberto Fujimori.

O despertar para os horrores do autoritarismo de esquerda, plenamente equiparados ou até, em alguns casos, superados pelo de direita, coincidiu com um dos mais comentados episódios da história da literatura, a escandalosa ruptura com Gabriel García Márquez, talvez o único a ultrapassá-lo no momento de glória que a literatura – mundial, por favor – viveu na América Latina quando ambos estavam no auge.

GANCHO DE DIREITA

Mais ainda do que os humanos comuns, escritores adoram fofocas, o material para algumas das melhores histórias escritas no mundo. Mas o belo, fino e elegante Mario, com sua vasta cabeleira, guardou segredo até a morte sobre o verdadeiro motivo da briga com Gabo, feio como um sapo bigodudo. O pacto foi recíproco.

Embora houvesse muitas testemunhas presentes no cinema da Cidade do México onde aconteceu a cena de pugilato, em fevereiro de 1976, e várias acreditam ter ouvido a frase: “Isso é pelo que você disse a Patricia”. Antecedida por um gancho de direita que deixou o escritor colombiano com um olho roxo, captado numa foto memorável de García Márquez sorrindo sem nenhuma culpa.

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Até hoje não foi cravado definitivamente o que ele disse à mulher – e prima – de Vargas Llosa para provocar a reação. Uma proposta inconveniente? Algo mais substancial? Uma interferência indevida sobre uma crise matrimonial causada por outra infidelidade do peruano?

Uma das teorias é que Vargas Llosa havia se envolvido a fundo com uma mulher conhecida durante uma viagem de navio. Ferino, como corresponde à categoria, o editor e poeta catalão Carlos Barral perguntou sobre a protagonista do caso: “São parentes?”. Responderam que não. “Ah, então não durará muito”.

‘CINCO TIROS NA CABEÇA’

Era uma referência mordaz à história amorosa de Vargas Llosa. Seu primeiro casamento com com uma tia por afinidade, Julia (a irmã dela era casada com um tio do projeto de escritor). A boliviana divorciada, retratada no Tia Julia e o Escrevinhador, deixou o jovem Varguitas louco de paixão. O parentesco e a diferença de idade de dez anos provocaram revolta na família e a promessa de “cinco tiros na cabeça” feita pelo pai.

O casamento acabou em Paris, quando a sobrinha de quinze anos de Julia, e prima em primeiro grau de Vargas Llosa, Patricia, foi visitar o casal.

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“Só um idiota pode ser completamente feliz”, foi uma das frases que o escritor nos deixou. Mas ele deve ter tido muita felicidade com Patricia: o casamento durou décadas e foi retomado no fim da vida, depois de um intervalo de dez anos em que Vargas Llosa se envolveu com Isabel Presley, filipina baseada na Espanha com seu próprio histórico de relacionamentos de amplo espectro (é mãe de Enrique Iglesias; foi casada com um marquês e com um ministro da Economia).

A vida sentimental e a trajetória política são aspectos inseparáveis do escritor, mas sua obra paira acima de tudo. Deixe-se enfeitiçar por ela, mesmo que não concorde com as posições políticas que o autor assumiu – comece com A Festa do Bode, uma sinfonia dos males da ditadura Trujillo na República Dominicana. Se concordar, descubra que nada é tão simples assim.

Vargas Llosa nos ajuda a entender melhor os seres humanos e as razões profundas da pergunta antológica da abertura de Conversação na Catedral: “Em que momento o Peru se ferrou?”. A palavra usada é um pouco mais forte e resume, ciclicamente, os percalços da América Latina, onde tantos países cometem os mesmos erros de sempre.

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