22 de março de 2025

Apple não consegue desenvolver a nova Siri com IA: ela falhou em prometer demais?

A Apple não está conseguindo desenvolver a nova Siri com inteligência artificial: e eles estão bem envergonhados e chateados com toda essa situação.

As coisas não têm sido muito fáceis na Apple ultimamente. A empresa anunciou o Apple Intelligence, o seu conjunto de recursos de inteligência artificial (IA), e com ele a nova Siri. Mas a empresa já admitiu que vai levar mais tempo do que esperava para lançar essa atualização.

Mais recentemente, o conteúdo de uma reunião interna foi vazado, demonstrando o descontentamento da companhia com esse atraso. Mas o que exatamente tem causado todo esse atraso? Por que a empresa de tecnologia mais valiosa do mundo não tem conseguido terminar o desenvolvimento de uma tecnologia que ela já demonstrou?

A primeira Siri

Para entender melhor essa situação toda, a gente precisa voltar um pouquinho no tempo. A Siri foi anunciada em 2011, na época do iPhone 4s e do iOS 5 — e, por questões de saúde de Steve Jobs, foi a primeira apresentação do produto feita por Tim Cook.

Eles falavam sobre recursos como “ligue para tal contato”, “toque essa música aqui”, “como está o clima hoje?”. Tudo usando a voz. Mas a Siri “original”, na realidade, foi um aplicativo lançado em 2010 e comprado no mesmo ano pela Apple.

Phil Schiller, executivo de longa data da Apple, falava que o seu celular ia saber o que você queria e resolver as coisas para você. Uma premissa muito parecida com o que vem sendo divulgado até hoje. Ele descreveu a Siri como “o seu assistente inteligente que te ajuda a fazer as coisas simplesmente fazendo perguntas”.

A demonstração da Siri, ao vivo e usando uma versão beta, foi feita por Scott Forstall, engenheiro e ex-executivo de software da Apple. Toda a ideia era muito promissora e você não precisava usar palavras específicas para conseguir uma resposta, já que ela tinha um padrão contextual que, em teoria, deveria compreender melhor o usuário.

Executivo demonstra Siri pela primeira vez
Scott Forstall demonstra a Siri em um evento pela primeira vez (Imagem: Apple)

Ela também conseguia levar uma “conversa”. Você podia pedir para a assistente ler uma mensagem recente, checar o seu calendário, e depois responder à mensagem em seguida sem se perder no contexto.

Nos anos seguintes, é claro, a Siri evoluiu em muita coisa, mas também não chegou a ser considerada a assistente virtual definitiva em nenhum momento.

  • Em 2013, no iOS 7, a Apple lançou a primeira atualização de design da Siri. Ele era mais limpo e a assistente conseguia fazer mais ações diretas no sistema, como “desligue o Bluetooth”;
  • Em 2014, no iOS 8, eles lançaram mais funções, como a “E aí, Siri”, para ativar o assistente sem tocar no iPhone;
  • Em 2015, no iOS 9, ela já ficou mais proativa;
  • Em 2016, no iOS 10, a Siri começou a ser integrada a mais apps, como WhatsApp e Uber;
  • Em 2017, no iOS 11, foi a vez da Siri ganhar uma voz mais natural e ganhou mais funções baseadas em aprendizado de máquina.
Siri compatível com apps de terceiros
Inetgração da Siri com outros softwares ajudou na popularização (Imagem: Apple)

Nos anos seguintes ela ficou mais rápida, automatizada, com vozes mais naturais e também com mais recursos offline. Mas a próxima grande atualização aconteceu em 2020, com o iOS 14. Ela deixava de ocupar toda a tela e adotava o formato compacto, que ficava em um círculo, e que durou até o iOS 17. É a partir de tudo isso que entra o iOS 18, o Apple Intelligence e a nova Siri.

O que a Apple prometeu?

A Apple anunciou no WWDC, em junho do ano passado, o Apple Intelligence e a nova Siri. Os executivos falavam que o Apple Intelligence, diferente dos chatbots de IA, entende você e o seu contexto pessoal. É como se ela estivesse conectada a todos os seus apps para se adiantar ao que você precisa quando você perguntar.

Eles mostraram, em 2024, que a função que permitia à Siri “enxergar” o que está na sua tela estaria disponível só neste ano. Em um exemplo, a Apple mostrou uma conversa aberta no iPhone com um endereço, e então Kelsey Peterson, Diretora de Machine Learning e IA, demonstrou a Siri adicionando o endereço ao contato que estava conversando com um rápido comando de voz.

Na apresentação, foi mostrado que seria possível, por exemplo, pedir: “mostre minhas fotos feitas em Nova York”, e em seguida para que ela editasse rapidamente uma imagem. E você até poderia pedir, depois, para usar essa foto em uma anotação no app Notas, navegando de um app para o outro usando somente a assistente virtual.

Siri não consegue encontrar fotografias
Nos nossos testes, a Apple mostrou foto de outras pessoas em Nova York, mesmo que eu tenha ido lá recentemente (Imagem: TecMundo)

Os apps de outros desenvolvedores também poderiam aproveitar tudo isso usando o framework App Intents e o kit de desenvolvimento (SDK) SiriKit. Mas a grande promessa, como citado por Peterson na apresentação, era de que a Siri entenderia de fato o seu contexto pessoal.

Isso significa que ela conseguiria procurar e entender coisas realmente pessoais, como as suas fotos, contatos, eventos no calendário, arquivos. A IA também poderia entender informações que passaram por apps, como reservas de hotel, ingressos de shows e até links que os seus amigos enviaram por mensagens.

A apresentação da Apple deixou claro que ela poderia encontrar uma informação que você pode ter esquecido em uma mensagem de texto no calendário, numa nota, e até conseguiria encontrar o número de um documento (como o CPF ou passaporte) que tenha uma foto salva, ou uma passagem de avião que você recebeu em PDF por e-mail.

Ela também conseguiria cruzar informações de apps como o Mail, Mensagens e Mapas, tudo com base em informações “soltas” que o usuário teria recebido. Seria como encontrar o horário de chegada de um voo que você recebeu por e-mail, depois o que você estava combinando por mensagem com algum contato para o almoço, e o tempo que levaria até o aeroporto.

Apple Intelligence não é boa em encontrar arquivos no celular
O Apple Intelligence também não conseguiu localizar minha passagem de avião, enviada ao meu email (Imagem: TecMundo)

Essa seria a nova era da Siri, como a Apple prometeu. Eles também trouxeram a integração com o ChatGPT, que funciona quase que completamente. Você pode fazer perguntas complexas, enviar fotos e documentos, e então tudo é analisado pela ferramenta da OpenAI.

Vários desses recursos chegariam somente em abril deste ano com o iOS 18.4 — que, inclusive, é o que vai trazer o português para o Apple Intelligence e Siri. Mas, no começo do mês, a Apple veio a público informar que eles só chegarão no mínimo “no próximo ano”.

A empresa tem enfrentado dificuldades, como relatou a Bloomberg. O líder da divisão de software da empresa, Craig Federighi, teria apontado que os recursos não estavam funcionando corretamente. Funcionários da divisão de IA teriam dito até mesmo que os recursos podem ser refeitos, o que atrasaria o lançamento da “nova Siri de verdade” para 2027, no iOS 20, três anos depois do anúncio oficial.

Mas a Apple merece alguns créditos. A IA recebeu um novo design que faz esse efeito nos cantos da tela e uma linguagem mais natural. Você pode até se embolar no meio de uma frase, mas ela costuma entender. Mas isso não corresponde ao que a Apple vem divulgando até mesmo em comerciais ou no seu site.

A empresa produziu um comercial com a atriz Bella Ramsey, de The Last of Us, promovendo um recurso da Siri baseado no Apple Intelligence. Ela pergunta à assistente “qual o nome daquele cara que eu me encontrei em uma cafeteria uns meses atrás”, e aí a Siri responde com o nome do rapaz, tendo como base as informações de agenda e calendário. Mas esse recurso também não estava pronto, e a empresa decidiu até mesmo deixar esse vídeo como “privado” no YouTube depois do adiamento.

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A Apple ainda adicionou novos avisos no seu site nos lugares onde promove a nova Siri. Agora, na página do iPhone 16, a empresa cita: “O entendimento de contexto pessoal pela Siri, o reconhecimento de conteúdo na tela e as ações no app estão em desenvolvimento e estarão disponíveis em uma atualização de software futura”.

Página da Apple confirma atualizações futuras
Mensagem da Apple adiciona uma série de atrasos à sua própria IA (Imagem: Apple)

A porta-voz da Apple, Jacqueline Roy, deu uma declaração ao site Daring Fireball explicando esse processo. Ela citou que a Siri está mais conversacional e integrada ao ChatGPT, e que a empresa vem trabalhando para deixá-la do jeito que foi anunciada. Mas ela acrescenta: que “levará mais tempo do que pensávamos para entregar esses recursos e prevemos lançá-los no próximo ano”.

Esse é um caso bem icônico nos anúncios da Apple. A empresa já cancelou até mesmo produtos, como a base de carregamento AirPower. Mas esse é um produto completamente diferente, já que ela está demonstrando recursos que não estão prontos e até anunciando e lançando novos iPhones que foram feitos para o Apple Intelligence.

Qual o futuro da Siri?

A verdade é que a Apple não pode mais voltar atrás como fez na época do AirPower. A empresa já anunciou e demonstrou a nova Siri, além de promover seu assistente. E a concorrência está claramente mais forte: a Amazon revelou a Alexa+ recentemente, e a Samsung tem ampliado o Galaxy AI com o Google Gemini.

O iPhone 16 foi lançado como o celular “feito para o Apple Intelligence”, como a própria Apple tem citado. Esse é o principal recurso do celular, a inteligência artificial. E o principal destaque do Apple Intelligence é a nova Siri, que promete ser o assistente ideal e cada vez mais pessoal.

O argumento da Apple sobre os atrasos é que, de fato, os recursos da Siri para o Apple Intelligence e o iOS 18 ainda não estão prontos como previsto. E eles não querem lançar nada sem ter a certeza de que o público vai ter uma boa experiência.

Banner de divulgação do iPhone 16 com Apple Intelligence
O iPhone 16 foi feito para a IA, mas essa tecnologia ainda precisa evoluir (Imagem: Apple)

Mais recentemente, o conteúdo de uma reunião interna da Apple, que foi revelado pela Bloomberg, mostrou que Robby Walker, diretor sênior e supervisor de desenvolvimento da Siri, teria dito à equipe que esses atrasos foram feios e embaraçosos. Ele também teria dito que, especialmente porque a Apple promoveu a tecnologia antes de ficar pronta, a situação só piorou.

Ou seja, a crise na empresa se dá, em grande parte, pela promoção de recursos da nova Siri que não estão realmente prontos. O próprio Walker teria reconhecido que a janela de lançamento, agora estimada para o iOS 19, pode não ser cumprida por causa de outros projetos de software e hardware da companhia.

Apesar dos problemas de qualidade e da nova Siri não funcionar corretamente com uma taxa satisfatória, Walker disse aos funcionários que a equipe deveria se sentir orgulhosa por desenvolver recursos “incrivelmente impressionantes”, e que a empresa quer lançar “o melhor assistente virtual do mundo”.

A Bloomberg também relata que, por enquanto, a Apple não tem planos de demitir nenhum executivo ligado ao projeto da nova Siri. A empresa também pode fazer uma apresentação mais fria sobre a assistente no WWDC deste ano, focando mais na integração com outros apps e menos em novos recursos. O evento da empresa pode acontecer entre as duas primeiras semanas de junho, mas ainda não teve a sua data oficial confirmada.

Apple Intelligence na WWDC 2024
Nova WWDC pode ser o palco para acertar o rumo do Apple Intelligence (Imagem: Apple)

O fato é que a Apple tem tido dificuldades claras no campo da inteligência artificial e no desenvolvimento da nova Siri. A proposta de deixar a Siri mais proativa e conversacional, como o ChatGPT, ainda não está concretizada e os consumidores precisarão esperar ainda mais.

A Apple tem um extenso currículo de grandes acertos no mercado, e eles partem do princípio de que os produtos e softwares precisam atingir um alto nível de qualidade até chegar ao público. O que é ótimo, mas a Siri não tem conseguido atingir esse mesmo nível no momento e continua atrás dos seus concorrentes.

Pessoalmente falando, eu não costumo usar a Siri com muita frequência porque ela erra demais até em coisas simples. O fato é que, se a Apple não consertar todos esses problemas com agilidade, ela vai ficar ainda mais atrás de empresas como Amazon, Google e Samsung na corrida dos assistentes virtuais.

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