
A guerra comercial iniciada pelo presidente americano Donald Trump não afetou a Vale em quase nada. Até agora. Mas criou um fantasma, que vai assombrar a gigante global de mineração pelos próximos trimestres. Trata-se do efeito China.
A companhia é muito dependente do que acontece com o país asiático. “Não tem nenhuma região do mundo que possa substituir a China”, reconheceu o vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores (CFO), Marcelo Bacci, durante uma coletiva nesta sexta-feira.
A segunda maior economia do mundo representa mais de 60% do mercado global de importação de minério de ferro. E também, no caso da Vale, o país respondeu pelo mesmo percentual, ou seja, 60% das vendas do grupo em 2024.
A grande interrogação é justamente qual será o desfecho econômico para EUA e China da guerra tarifária e comercial. Esse é o questionamento que passa a assombrar os balanços da gigante dos metais a partir do segundo trimestre.
Uma das consequências de um prolongamento do impasse tarifário é a desaceleração do crescimento chinês. O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou a previsão de expansão do PIB do país asiático para 4% em 2025 e 2026, citando riscos deflacionários e a crise imobiliária interna. A expansão prevista pelo órgão fica abaixo da meta oficial do governo chinês de 5% neste ano.
A própria diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, afirmou, durante as reuniões de primavera do órgão, que as tensões comerciais elevaram o risco de recessão global para cerca de 30%. Estrategistas do J.P. Morgan já se mostraram mais pessimistas: apontaram haver uma probabilidade de 60% de recessão global até o fim de 2025, caso as tarifas permaneçam elevadas.
Não vale a pena ver novo: tarifas afetam cadeias globais
Parece até uma reprise indigesta do filme da pandemia: a interrupção das cadeias de suprimentos e as barreiras comerciais podem levar a um aumento do desemprego em setores exportadores chineses, especialmente nas cadeias de autopeças e bens de capital. Um consequência prevista também seria o agravamento da crise imobiliária que paralisou o setor no ano passado.
Uma redução na demanda da China por metais vai afetar a Vale em cheio. O cenário foi apontado como um risco pelo CFO da Vale. “O que acontecer na China será muito relevante para nós”, disse Bacci. O executivo, porém, ressalvou que a demanda chinesa de metais continua “sólida”. O CFO ressaltou que apesar da queda vinda da construção civil, outros setores como infraestrutura e indústria mantiveram um crescimento e compensaram a redução no setor imobiliário.
“A demanda na infraestrutura e no setor industrial chineses tem subido, devido a segmentos de bens duráveis como automóveis e linha branca. Em termos de volume total, a demanda na China teve um pequeno crescimento e não vemos perspectivas de redução atualmente.”
Um vislumbre de melhoria
Os mercados globais ficaram um pouco mais otimistas sobre um desenlace mais amigável entre EUA e China na guerra comercial. Há, no momento, sinalizações de ambos os lados sobre possíveis flexibilizações necessárias para a abertura de uma janela de negociações.
Na China, alguns produtos farmacêuticos fabricados nos EUA, além de equipamentos médicos e outros insumos essenciais, estão entrando no país sem pagar as tarifas de 125% que Pequim impôs neste mês em resposta às tarifas de 145% de Trump sobre as importações dos EUA. Além disso, uma lista de 131 categorias de produtos potencialmente beneficiados com isenções estava circulando entre algumas empresas e grupos comerciais chineses.
Em relação às tarifas, o CFO da Vale afirmou que “o efeito direto para o negócio de minério de ferro da Vale foi praticamente zero”. Bacci lembrou que os EUA são um participante modesto no mercado de minério de ferro.
O executivo explicou ainda que, no caso de metais como níquel e cobre, que a Vale exporta para os EUA a partir do Canadá, o efeito também foi reduzido. Isso porque o níquel ficou isento das tarifações americanas.
“A grande preocupação relacionada a essa questão comercial, tanto para a Vale quanto globalmente, é o efeito indireto: que o agravamento possa levar a um aumento da inflação global e uma queda do consumo global”, resumiu o vice-presidente financeiro.
Por outro lado, os potenciais estímulos implementados pelo governo chinês para lidar com uma eventual desaceleração econômica, se vierem, seriam “bem-vindos” para a Vale. Por exemplo, uma melhora do mercado imobiliário no país asiático pode aumentar marginalmente a demanda por metais.
Busca por maior eficiência
Nesse teatro de incertezas comerciais, não significa que a Vale tenha de se manter como um espectador passivo à espera do desenrolar do enredo. Os executivos citaram uma busca por maior eficiência na produção, com redução de custos e aumento de margem.
O CFO citou reduções de custo de produção que alcançaram 11% no caso do minério de ferro e de 63% para o níquel no primeiro trimestre de 2025. “Nós temos nos preparado para um cenário mais grave em relação à guerra comercial, o que não aconteceu ainda. Ainda não temos o melhor custo do mundo, mas temos a condição de alcançar essa posição.”
O executivo citou, como exemplo, um novo produto em desenvolvimento nas minas de Carajás, a maior área de mineração de ferro da companhia. “Nos próximos 12 meses vamos lançar esse produto com menor teor de ferro, onde conseguimos ter um custo menor na produção, com margem maior.”
A Vale registrou um lucro líquido de US$ 1,394 bilhão ou cerca de R$ 8 bilhões no primeiro trimestre de 2025. O resultado representou uma retração de 17% em relação ao mesmo período de 2024. Já a receita líquida de vendas foi de US$ 8,119 bilhões ou cerca de R$ 46 bilhões, queda anual de 4%.
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