O cenário de recuperações judiciais pode até ter melhorado no início do ano, mas esse alívio deve ser passageiro. Vários fatores indicam um futuro ainda sombrio para as empresas brasileiras ao longo de 2025. Isso, sobretudo, diante do aperto de uma taxa básica de juros em 14,25% ao ano.
A Selic já está acima dos 10% há mais de três anos seguidos. E nas expectativas do mercado, só vai cair abaixo dos dois dígitos depois de 2028.
Os dados compilados pela Serasa Experian mostram que em janeiro e fevereiro os pedidos de RJ chegaram a subir 8,7% no primeiro mês, mas caíram 27,8% no período seguinte, quando comparados com os mesmos intervalos de 2024. No agregado do primeiro bimestre, há um recuo de 10,7%.
Mesmo assim, os 162 pedidos de janeiro e os 122 do mês seguinte, ficaram bem acima da média mensal de 2023, de 117 solicitações.
O que explica esse alívio temporário? É que muitas empresas têm se esforçado para renegociar as dívidas com bancos e outros credores, além de terem aproveitado para alongar os prazos de vencimentos de dívidas no mercado de capitais em 2024. O ano passado registrou o maior volume de emissões de títulos de renda fixa da história, com R$ 709,2 bilhões captados pelas empresas.
Esse refresco deve durar pouco. Várias empresas, inclusive listadas na bolsa, já jogaram a toalha neste início de ano. A Gol Linhas Aéreas, com uma dívida de R$ 20 bilhões, entrou com pedido de recuperação judicial nos EUA em 25 de janeiro de 2025 sob as regras do “Chapter 11”, a legislação americana para esse tipo de processo.
A rede de supermercados St. Marché foi o caso mais recente de grupo empresarial que tomou medidas para reestruturar as dívidas, enquanto coloca em marcha um plano para sanar as finanças. A varejista, na verdade, entrou em um processo de recuperação extrajudicial.
A diferença é que, na modalidade judicial, a Justiça supervisiona todo o processo a pedido da companhia. No segundo tipo, a empresa e os credores firmam um acordo diretamente, onde concordam com o plano para a recuperação do negócio.
Na recuperação extrajudicial, as conversas envolvem negociações de prazos, juros, descontos e troca de garantias. Se o plano de reestruturação das dívidas for aceito pelas partes, a companhia faz a homologação na Justiça para caracterizá-lo como um título executivo.
“Tenho a sensação de que esse alívio do início do ano não se configura uma tendência e não deve seguir para o resto de 2025”, afirma a economista da Serasa Experian, Camila Abdelmalack. Vários indicadores sinalizam um período ainda difícil para a atividade nos próximos meses. É o caso da inadimplência das pessoas jurídicas que alcança quase 8 milhões de empresas em janeiro.
Além disso, Abdelmalack lembra que 75 milhões de brasileiros estão com dívidas em atraso, de acordo com os dados da Serasa, o que equivale a quase metade da população adulta do país. Diante desse quadro, a tendência é a de as solicitações de RJs voltarem a acelerar nos próximos meses.
As empresas brasileiras estão com os juros no pescoço. No ano passado, as solicitações de RJs alcançaram o maior nível da história. Foram registrados 2.273 pedidos de recuperações judiciais, conforme dados do Indicador de Falência e Recuperação Judicial do grupo especialista em perfil de crédito. Foi o mais alto índice desde o início da série histórica e representa um aumento de 61,8% em relação a 2023.
O novo recorde é 22% maior do que o anterior, registrado em 2016, período no qual o país vivenciou uma das maiores recessões da história. No segmento das micro e pequenas empresas, o mais afetado pelas condições adversas da economia, a quantidade de pedidos de RJs saltou 78,5%, de 939 em 2023 para 1.676 no ano passado.
A economista da Serasa ressalta que o cenário macroeconômico tem se mostrado sufocante para as micro e pequenas empresas. E as expectativas para os próximos trimestres também não trazem boas notícias. Há uma conjunção de de fatores que levam as empresas de menor porte a sentirem que estão prestes a se afogar.
Segundo maior período com Selic acima de 10%
Os juros e a inflação elevados e o câmbio depreciado criam um redemoinho de pressões sobre a saúde das companhias. O ponto mais crítico, na verdade, é o nível dos juros que está acima de 10% desde fevereiro de 2022 e, no momento, continua a avançar.
O Banco Central subiu em março a Selic para 14,25% e sinalizou ao menos mais uma alta. Na pesquisa de mercado Focus do BC, a expectativa dos agentes financeiros coloca a taxa básica em 15% no fim do ano. O levantamento indica ainda que a Selic pode se manter em dois dígitos até o fim de 2028.
Se isso ocorrer, será o segundo maior período com juros acima de 10% na era pós-Plano Real. Serão sete anos consecutivos. Só houve um intervalo maior com juros de dois dígitos entre 1998 e 2009.
“Nesse cenário, as companhias são triplamente penalizadas. A receita cai por desaceleração do consumo. A queda de faturamento se soma ao aumento de custos por conta da inflação e da alta do dólar. E, completando esse conjunto de desafios, a taxa de juros alta faz com que as organizações de menor porte tenham dificuldade de refinanciar as dívidas e, com isso, arrisquem-se a ficar inadimplentes.” Ou seja, não existe nenhuma boia para se agarrar no mar revolto econômico.
Empresas pagam até 20% de juros nas dívidas
O peso das dívidas corporativas cresce porque a maior parte das captações feitas pelas empresas paga uma remuneração atrelada ao CDI mais um taxa fixa, chamada de spread. Dados da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que o CDI é o indexador de mais de 70% das debêntures, um dos principais títulos usados obter recursos de investidores. O certificado de depósito interfinanceiro, por sua vez, varia conforme a Selic.
Abdelmalack ressalta, porém, que as grandes companhias costumam ter várias formas de obter recursos ou refinanciar dívidas para ganhar fôlego antes de ter de apelar para um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial. Podem, na parte operacional, enxugar operações, cortar custos, vender negócios secundários, imóveis e até equipamentos. Além disso, têm mais força para reestruturar dívidas e obter recursos por meio de ofertas de ações ou de emissão de títulos de renda fixa.
A grade questão é até quando o fôlego dura. Um empresa com uma alavancagem atual de 6 vezes, medida pela relação entre a dívida líquida e o chamado ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), pode ver todo o seu lucro operacional ficar comprometido com o pagamento das obrigações financeiras, quando a Selic alcançar 15%. “Com uma política monetária tão restritiva, certamente vamos continuar vendo números ruins de RJs”, diz a economista da Serasa.
Eduardo Scarpellini, sócio fundador da EXM Partners, consultoria especializada em reestruturação e recuperação de empresas, vê a quantidade de pedidos de RJs acima de 2 mil neste ano. “O custo médio de financiamentos mais antigos alcança cerca de 20%. Pagar toda essa dívida está bem mais difícil.”
Pedidos de recuperação em 2024 e 2025
Bombril
Data do pedido: 10 de fevereiro de 2025
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 2,3 bilhões
Motivo: Dificuldades financeiras e dívidas tributárias com a Receita Federal
Grupo Safras
Data do pedido: 4 de abril de 2025
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 1,78 bilhão
Motivo: Dificuldades financeiras e problemas de gestão
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU)
Data do pedido: 13 de março de 2025
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 116 milhões
Motivo: Dificuldades financeiras e problemas de gestão
St. Marché
Data do pedido: 16 de abril de 2025
Tipo: Recuperação extrajudicial
Dívida estimada: R$ 528 milhões
Motivo: Dificuldades financeiras
Gol Linhas Aéreas
Data do pedido: 25 de janeiro de 2024
Tipo: Recuperação judicial nos EUA (Chapter 11)
Dívida estimada: R$ 20 bilhões
Motivo: Reestruturação de dívidas e proteção judicial para reorganização financeira
Coteminas
Data do pedido: 6 de maio de 2024
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 4,2 bilhões
Motivo: Dificuldades financeiras e problemas de gestão
Subway (SouthRock Capital)
Data do pedido: 11 de março de 2024
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 482,7 milhões
Motivo: Dificuldades financeiras enfrentadas pela operadora da marca no Brasil
Casas Bahia (Via S.A.)
Data do pedido: Abril de 2024
Tipo: Recuperação extrajudicial
Dívida estimada: R$ 4,1 bilhões
Motivo: Reestruturação de dívidas com credores, homologada pela Justiça de São Paulo
Polishop
Data do pedido: Maio de 2024
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 352,1 milhões
Motivo: Conflitos societários e dificuldades financeiras agravadas pela pandemia e aumento de custos operacionais
OSX Brasil
Data do pedido: Janeiro de 2024
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 8 bilhões
Motivo: Cobrança de dívida pela Prumo Logística, controladora do Porto do Açu
Avibras Indústria Aeroespacial
Data do pedido: Março de 2022 (processo em andamento em 2024)
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 1,5 bilhão
Motivo: Dificuldades financeiras e dívidas com o governo federal; em 2024, enfrentou pedido de falência por inadimplência fiscal
Viação Itapemirim
Situação: Falência decretada em 2024
Tipo: Recuperação judicial
Dívida estimada: R$ 2,2 bilhões
Motivo: Inviabilidade de retomada das atividades
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