A SNK é um dos nomes mais reconhecíveis, em especial entre os brasileiros, quando o assunto é jogos de luta. Ela foi um dos ícones na época dos fliperamas nos anos 90 e, ainda hoje, o público nutre muito carinho pelas propriedades da desenvolvedora, responsável por marcar toda uma geração de entusiastas por videogames com títulos como Metal Slug, Art of Fighting, Samurai Shodown, The King of Fighters e, claro, Fatal Fury — conhecido como Garou Densetsu no Japão.
Desde que o estúdio superou a sua tumultuosa fase pós-falência, em especial com o lançamento do divisivo The King of Fighters XIV (2016), havia muita esperança para o retorno de antigas franquias. Entre elas, Fatal Fury era um caso particularmente delicado: Garou: Mark of the Wolves (1999), o último título da cronologia até então, é considerado um dos melhores jogos de luta de todos os tempos e até tinha uma sequência em produção, mas que acabou sendo cancelada à época por ordens de executivos.
Agora, 26 anos mais tarde, parte da equipe criativa que esteve envolvida com a franquia desde o seu início finalmente conseguiu concretizar a continuação dos sonhos: Fatal Fury: City of the Wolves. É possível dizer que o lançamento, previsto para 24 de abril, é uma síntese de todos os aprendizados da desenvolvedora em quase uma década desde o seu ressurgimento, acertando em cheio na direção artística, animações e sistemas de combate. Mas houve claras concessões para isso, tendo em vista que esta nova SNK é, hoje, propriedade do controverso príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.
Com isso em mente, será que foram tomadas boas decisões e o jogo está à altura de tantas expectativas de uma comunidade apaixonada? Descubra, nas linhas a seguir, com o review completo do Voxel.
Gameplay que entrega a “crocância” do clássico do NEOGEO
Vale começar entrando na minúcia do que torna City of the Wolves um jogo tão bom: o seu gameplay. As partidas trazem um ritmo mais desacelerado se comparado ao último lançamento da SNK, The King of Fighters XV (2022), além de uma resposta muito satisfatória no pressionar de cada botão. As animações, que são mais caprichadas, passam perfeitamente a sensação de impacto e valorizam ainda mais fundamentos básicos como punições — logo, executar golpes ao vento envolve muito risco neste jogo.
Várias mecânicas do seu antecessor também estão de volta e colaboram para dar profundidade aos seus sistemas. Entre elas, as mais notórias são: a defesa perfeita, que visa recompensar as leituras de jogadores mais experientes e permite emendar especiais rapidamente para punições; as fintas, que “fingem” soltar um especial para cancelar a animação de golpes normais e, assim, aplicar pressão ou desferir combos; e os freios, que permitem cancelar o início da animação de alguns especiais de comando para ficar seguro em situações de defesa, além de estender sequências para oportunidades de dano.

O jogo também ganha vida nova com o Sistema REV, descrito como um conjunto de habilidades que oferece opções ofensivas já no momento em que a luta se inicia. Desta forma, o jogador pode desferir os especiais aprimorados, que seriam os Ex em jogos como Street Fighter, e emendar uma técnica na outra em rápida sucessão — desde que seu medidor não sobrecarregue. Se por um acaso o jogador entrar em superaquecimento, ele perde acesso às técnicas do Sistema REV e passa a ser suscetível a uma quebra de defesa, se receber muita pressão do adversário.
O S.P.G, ou Selective Potential Gear, também faz um retorno de Mark of the Wolves. Antes de cada batalha, o jogador deve selecionar um terço da sua barra de vida para que, uma vez que seja alcançado durante a batalha, o personagem ganhe um bônus de dano e destrave o seu especial mais poderoso. Esse fragmento também dá acesso a uma nova habilidade, chamada de REV Blow, que consiste em um forte golpe com armadura, capaz de absorver ataques adversários, e que pode ser utilizado para finalizar combos. Em geral, é uma técnica bastante difícil de lidar, com poucos riscos e que pode ser usada à exaustão, desde que o lutador não entre em superaquecimento.
A ideia, aqui, não é ser descritivo, mas apenas demonstrar como os jogadores do antigo Mark of the Wolves certamente se sentirão em casa. City of the Wolves se apresenta como uma evolução natural da franquia, pegando aquilo que deu certo no clássico e dando uma roupagem mais moderna, com a bagagem de experiência da SNK de hoje em dia. Isso é algo que também vale para a sua curva de dificuldade, já que há decisões de design que seguem a tendência dos jogos atuais, incluindo inputs um pouco menos rígidos e padronizados, além da opção dos controles inteligentes — equivalente aos controles modernos de Street Fighter 6, que permite executar especiais com combinações fáceis de botões.

O elenco inicial, composto por dezessete lutadores, é bastante variado e resgata várias figuras clássicas, como Rock Howard, Gato, Mai Shiranui, Hotaru, Kain e o brasileiro Marco Rodrigues. Mas ele brilha bastante com os seus lutadores inéditos, com destaque para Vox Reaper e Preecha, que são muito interessantes de aprender. Como Fatal Fury é uma franquia que aposta em combos um pouco mais enxutos, não demora muito para entender o básico de cada boneco por conta própria e se divertir.
Os visuais também são um ponto muito positivo em City of the Wolves. Não é surpresa que a SNK, que era referência na arte em pixels, teve muitos problemas para transportar suas principais franquias para os gráficos tridimensionais. Isso é algo que começou a mudar com o lançamento de Samurai Shodown, em 2019, que trazia visuais estilizados e que remetiam à pintura tradicional japonesa. Mesmo com modelos mais simples, a direção artística conseguia segurar a barra e deixar o jogo visualmente agradável.
Em City of the Wolves, não há dúvidas de que esses são os melhores modelos tridimensionais já feitos pela SNK. Ainda há espaço para melhorias, mas o estúdio felizmente resgatou o princípio utilizado em Samurai Shodown e apostou pesado na direção artística, que salta aos olhos com suas combinações de cores, sombreamentos e efeitos. As boas decisões de design dos personagens também colaboram bastante: a maioria está bastante estilosa e denota como o universo da franquia está evoluindo. Vale destacar as novas roupas da Mai Shiranui e Billy Kane, que foram redesigns bastante felizes por parte da SNK.
Colocando as mãos na versão completa, o sentimento que prevalece é a vontade de explorar cada vez mais os seus personagens e mecânicas. Afinal de contas, é tudo muito tátil, responsivo e satisfatório — reforçando: no que compete ao gameplay e apresentação, incluindo visuais e trilha sonora, uma das especialidades da SNK. Tudo que vai além disso, infelizmente, deixa um gosto amargo e decepciona pelas oportunidades perdidas.

Conteúdo single-player raso pode decepcionar jogadores mais casuais
Uma das minhas maiores decepções com Fatal Fury: City of the Wolves foi a falta de esmero no conteúdo single-player. Um dos seus pilares principais, o Episodes of South Town, é descrito como um modo RPG para que os jogadores escolham um personagem, ganhem experiência e lutem por toda a South Town. Parece interessante na teoria, mas, na prática, é uma modalidade completamente sem substância.
As histórias, que são anedóticas e em sua maior parte, tediosas, se desenrolam com textos estáticos sobre a tela e que rapidamente dão sono. Para piorar, a “exploração” por South Town se dá em um mapa que também é completamente estático e que sequer dá margem para a imaginação. É preciso navegar com um cursor desengonçado e selecionar os pontos de interesse, consistindo em lutas genéricas, às vezes com condições especial, e que fornecem pontos de experiência. Nos primeiros minutos, já fica o sentimento terrível de que vimos tudo o que esse modo tinha a oferecer.
Com o progresso, é possível destravar melhorias equipáveis para os personagens, como aumento de dano ou defesa, mas não foram raras as vezes em que eu consegui avançar sem me preocupar com isso. Dependendo do quão familiarizado o jogador estiver com jogos de luta, é possível vencer na força bruta, sem nem encostar nessa personalização. Para piorar, a interface é caótica e contraintuitiva, espantando qualquer vontade de interagir com ela. Não há qualquer sentimento de recompensa ao explorar o Episodes of South Town, o que é uma pena.

A maior diversão que eu tive com esse modo foi com um mini-game de quebrar garrafas, algo que não diz muito em seu favor. Eu completei todas as dificuldades em cerca de vinte minutos e, para a minha tristeza, era o único mini-game disponível. Também há uma aparição-surpresa, que chama a atenção na primeira vez, mas logo se repete e cai na mesmice. Não vou revelar do que se trata aqui, mas nem isso foi capaz de me deixar interessado pelo Episodes of South Town.
O modo Arcade já é um pouco mais caprichado. Embora as suas cenas sejam semiestáticas, simulando quadrinhos estadunidenses, as histórias costumam ser mais encorpadas e conseguem engajar, em especial, os fãs que querem saber mais sobre os seus personagens favoritos — afinal de contas, foram quase três décadas de espera e muita coisa ficou em aberto. Também é bacana como podem haver rivais e chefes diferentes para cada lutador, incentivando a zerar com todo o elenco.
Pegando como referência o que os últimos jogos de luta ofereceram em seus respectivos modos Arcade, City of the Wolves está um pouco acima da média e consegue entreter minimamente. Seria muito bom se Masami Obari fosse contratado para fazer aberturas ou encerramentos animados para esses modos single-player, e não apenas para um vídeo promocional que foi ao ar nas redes sociais, mas infelizmente não foi o caso.
Os jogadores que quiserem se desafiar em modos de sobrevivência e contra o tempo também têm essa opção, mas nenhum deles é particularmente recompensador. Para piorar, os trials, que são os populares desafios de combo, são fraquíssimos e mal conseguem dar uma noção do que cada lutador consegue fazer de chamativo. Há apenas cinco desafios, mas é até incorreto chamá-los desta forma, pois são completamente fáceis e deixam muito a desejar. É muito lamentável, tendo em vista que a SNK fazia desafios excelentes no passado.

Cristiano Ronaldo e um DJ no meu Fatal Fury? Por quê?!
Em entrevista ao Gamindustry.biz em 2022, Yasuyuki Oda, produtor de Fatal Fury: City of the Wolves, havia declarado que a aquisição de 96% da SNK pela Arábia Saudita “não afetaria o estúdio de forma alguma”. Hoje, no entanto, já é possível flagrar evidências dessa influência em conteúdos que dificilmente partiriam de uma equipe criativa. Entre eles está a inclusão de Cristiano Ronaldo, atleta português e atacante pelo clube Al-Nassr FC, do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita — PIF, na sigla em inglês.
Embora essa seja uma adição que possa ser explicada como “estratégia de marketing”, não restam dúvidas de que incluir uma figura pública, que existe no mundo real, ao elenco de um jogo de luta traz implicações imprevisíveis. Para além do fato de a colaboração destoar completamente da proposta do jogo, a imagem de Cristiano Ronaldo também traz controvérsias por conta de acusações sérias que enfrentou no passado recente. Logo, é natural que muitas pessoas não se simpatizem com ele.
No estado em que recebemos o jogo para análise, Cristiano Ronaldo sequer está incluso nos modos Episodes of South Town e Arcade, além de não ser possível personalizar as cores da sua roupa — diferente de todo o restante do elenco. Logo, todo o dinheiro investido para licenciar os direitos de imagem do atleta, que é bilionário, podiam ser aplicados em outras áreas do jogo e que ficaram muito precarizadas.
Nos últimos anos, a Arábia Saudita tem realizado investimentos incessantes no mundo dos games e também nos esportes em uma tentativa de ressignificar e normalizar a sua imagem internacional. Afinal de contas, pesam denúncias muito graves de violações dos direitos humanos sobre o país, que está confirmado como sede da Copa do Mundo de futebol de 2034 pela FIFA.
Além de Cristiano Ronaldo, o DJ e produtor musical bósnio-sueco, Salvatore Ganacci, também parece ser bem-quisto por Mohammed bin Salman. O artista já fez propaganda para um tour de golf masculino financiado pelo PIF, que seria parte de uma estratégia de sportswashing, além de marcar presença recorrente em festivais musicais na região. No dia do lançamento do jogo, em 24 de abril, o DJ fará uma performance em Riade, capital da Arábia Saudita.
A sua revelação, também como um personagem jogável, provocou um grande racha na comunidade. Na prática, devo dizer que Salvatore Ganacci é um personagem muito mais interessante do que Cristiano Ronaldo, pois passa a impressão de que houve mais cuidado na sua caracterização — ele é praticamente um alívio cômico. Ainda assim, persiste a crítica: é lamentável que “personagens” que ninguém pediu, pois tratam-se de pessoas reais, estejam com tanto destaque enquanto outras áreas do jogo carecem de investimento.

Vale a pena?
Fatal Fury: City of the Wolves é a “nova” SNK em sua melhor forma. Embora o conteúdo single-player deixe a desejar e o elenco divida opiniões por incluir personalidades do mundo real, o jogo preserva o legado da franquia com um gameplay bem-amarrado, responsivo e viciante. O estilo artístico e a trilha sonora também são um grande acerto e nos lembram que esta é, sim, a mesma desenvolvedora que marcou a nossa infância nos fliperamas.
Para além do seu conteúdo raso para jogadores casuais, um dos maiores problemas do jogo é a sua interface de usuário truncada e contraintuitiva, que nos coloca em um constante cabo-de-guerra. Isso vale para o Episodes of South Town, o modo de treinamento e principalmente os menus online. Já em relação ao netcode, ele desempenhou bem nas partidas de teste, mas a principal preocupação fica quanto ao matchmaking. Infelizmente, isso é algo que apenas teremos noção após o lançamento oficial. É importante pontuar que o cross-play ficou desativado durante o período de review, sem justificativa aparente.
Por fim, o gosto que fica é um pouco agridoce. A parte que interessa a todo jogo de luta, que é o seu gameplay, é afinadíssima e faz valer os 26 anos de espera por uma sequência. Mas é difícil não ficar triste com o conjunto da obra. Fazendo uma brincadeira com o título original em japonês, podemos atestar que, sim, os lobos continuam famintos. Eles já foram alimentados, mas a refeição… ela podia ter sido melhor.
Nota do Voxel: 75
Pontos positivos (prós):
- Gameplay satisfatório a cada pressionar de botão;
- Variedade de mecânicas ofensivas e defensivas;
- Visuais estilizados e direção artística certeira;
- Trilha sonora de altíssima qualidade;
- Netcode de rollback e cross-play* já no lançamento.
Pontos negativos (contras):
- Modos single-player deixam muito a desejar;
- A navegação dos menus é terrível;
- Personalidades da vida real que viraram lutadores indesejados.
*Durante o período de review, os recursos cross-play estavam desativados e, portanto, impossibilitados para teste.
Esta análise de Fatal Fury: City of the Wolves foi possível graças a uma cópia de review fornecida pela assessoria de imprensa da SNK. O jogo estará disponível a partir de 24 de abril para PC (Steam, Epic Games), PS4, PS5 e Xbox Series X|S. A pré-venda garante acesso antecipado de três dias, começando em 21 de abril.
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