Donald Trump tem um problema pessoal com Volodymyr Zelensky – e talvez não seja apenas porque busca um entendimento geoestratégico com Vladimir Putin, para isolar a China. Pode ser pessoal, por falta de empatia, ciúmes, bronca terceirizada por causa do apoio de Joe Biden ou simples antipatia por um ex-comediante que, contra todas as expectativas, aguentou firme e virou grande ator político no palco mundial. Não seria o primeiro a ter sentimentos assim.
É um dos maiores erros que já cometeu desde o início do segundo mandato, considerando-se que a guerra tarifária ainda está em andamento.
No último ataque, fez afirmações nada menos que imorais. “O presidente Zelensky e o corrupto Joe Biden fizeram um trabalho absolutamente horrível ao permitir que essa farsa começasse”, afirmou, não num rompante verbal, mas por escrito Truth.
Outra barbaridade: “Quando você começa uma guerra, tem que saber que vai ganhar a guerra. Não se começa uma guerra com alguém que tem vinte vezes o seu tamanho e depois se espera que as pessoas te deem uns mísseis”.
VISÃO DE MOSCOU
Quem começou a guerra, sem nenhuma justificativa remotamente aceitável, foi Putin.
“Milhões de pessoas mortas por causa de três pessoas. Digamos que Putin é o número um, que Biden não sabia o que diabos estava fazendo e é o número dois, e Zelensky”.
O pior é que as novas afirmações foram feitas na esteira do bárbaro ataque russo com mísseis contra a cidade de Sumi, com 34 vítimas civis, uma das maiores atrocidades cometidas nessa guerra. Trump disse que foi “horrível”, mas emendou que pode ter sido um erro, algo que nem os maiores defensores da Rússia alegam (dizem estes que havia um alvo militar legítimo, o qual seria a cerimônia de condecorações a soldados).
O vice-presidente JD Vance também voltou a entrar na dança, respondendo assim a uma entrevista na qual Zelensky disse, com razão, que Vance parecia estar endossando a visão de Moscou. “É um absurdo dizer que o governo (americano), que está atualmente mantendo de pé seu governo inteiro e o esforço de guerra, esteja de alguma maneira do lado dos russos”, afirmou.
TROCA DE LADOS
Lamentavelmente, é isso que vem acontecendo. É legítimo argumentar que, para negociar um acordo de paz, os Estados Unidos devam assumir uma posição mais neutra. Mas o que temos visto não é um esforço de neutralidade, mas sim reflexo de uma das transições mais estranhas já ocorridas na política externa americana: a direita trumpista, que deveria se identificar com valores existenciais como luta pela liberdade e pela independência, fez um estranho movimento em direção da antipatia pela causa ucraniana em geral e Zelensky em particular.
Historicamente, os republicanos sempre defenderam uma posição mais dura com a União Soviética e, posteriormente, com a Rússia. Os democratas propugnavam acordos e, no extremo, até o apaziguamento do urso.
A incrível mudança foi muito influenciada por apresentadores que têm um enorme peso no debate, como Tucker Carlson, premiado com uma constrangedora entrevista com Putin.
Hoje, muitas das posições dessa ala são parecidas com as da esquerda de países periféricos – na Europa, a esquerda apoia a Ucrânia, como acontece com os governos do Reino Unido e da Espanha.
O PREÇO A PAGAR?
Existe também, no caso de Trump, o fator antipatia pessoal. Zelensky, tão hábil ao percorrer o mundo em defesa da causa ucraniana, pode ser teimoso e até incapaz de “ler” uma situação volátil, como aconteceu durante sua catastrófica visita à Casa Branca.
A simpatia automática de Trump por Putin poderia ter alguma influência num acordo de paz? Seriam os ataques absurdos a Zelensky o preço a pagar pelo fim do conflito?
Por enquanto, a situação é a seguinte: Putin enrola os americanos e tenta um conjunto de avanços militares. A guerra que Trump resolveria “em 24 horas” continua sem sinais de que vá acabar.
Poderia Trump, que já disse ser “flexível, embora não mude de ideia”, deixar de lado a simpatia por Putin e alcançar um acordo, inevitavelmente doloroso para a Ucrânia, mas capaz de acabar com a guerra e garantir sua segurança futura?
Trump foi eleito para fazer várias coisas necessárias – acima de tudo, controlar o acesso desatinado ao país. Tripudiar sobre uma nação invadida e martirizada não foi uma delas.
Deixar de humilhar a Ucrânia lhe daria uma estatura moral que tem faltado em outros campos. E um acordo sobre terras raras, em condições aceitáveis, atenderia uma necessidade vital num momento em que a China estrangula o fornecimento do “combustível” dos eletrônicos.
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