Donald Trump foi contido e mencionou uma “conversa muito produtiva” com To Lam, o secretário-geral do Partido Comunista do Vietnã. Só não resistiu ao uso das maiúsculas: “Ele me disse que quer cortar as tarifas deles a ZERO se conseguirem um acordo com os Estados Unidos”.
Nem é preciso dizer quem está na posição suplicante. A tarifa de 46% imposta por Trump ao Vietnã – a segunda maior do mundo, depois do Camboja – pode simplesmente arruinar o país, uma ditadura comunista que, como uma China em menor escala, conseguiu enormes avanços ao abrir a economia e se transformar numa máquina produtiva.
Quando os salários na China subiram, devido ao crescimento econômico, e também aumentaram as represálias comerciais americanas, muitas empresas americanas transferiram suas linhas de produção para o Vietnã. Muita gente já viu a etiqueta “Made in Vietnam” em alguma peça de roupa ou de calçados esportivos – Nike, Adidas, Hoka e outros gigantes do mercado de tênis concentram lá sua produção. Quase 20% das roupas consumidas nos Estados Unidos vêm do país onde as memórias da guerra e do enorme sofrimento da população sob o regime comunista foram sendo superadas pelo tempo e pela promessa de mais prosperidade.
Também são fabricados no Vietnã produtos da Apple como AirPods, iPads e o relógio conectado da marca. Tim Cook, o chefão da Apple, tem sido tratado como um dos grandes perdedores do momento. Sua política de aproximação com Trump, tendo inclusive comparecido à posse, não deu frutos. A visão demonstrada quando foi diversificando a produção fora da China, para Vietnã, Tailândia e Índia, prevendo uma crise geopolítica, agora está sendo punida.
‘INVERNO NUCLEAR ECONÔMICO’
Ou irá Trump reconsiderar a pesada tarifação imposta ao Vietnã? Todo mundo está especulando sobre as duas alternativas: o tarifaço não vai mudar ou acordos comerciais país por país abrandarão eventualmente a pancada. Bill Ackerman, do gigantesco fundo Pershing Square, propôs uma espécie de trégua de noventa dias, para a renegociação dos casos de tarifas assimétricas. Caso contrário, “estamos a caminho de um inverno nuclear econômico autoinduzido”.
Foi uma boataria sobre a trégua de três meses, desmentida pela Casa Branca, que levou a uma alta da bolsa, logo eliminada.
Se os países ocidentais sofrem, o impacto sobre os produtores asiáticos é de proporções catastróficas e todos vão propor concessões. Dá até pena ver o líder de um país pobre como Bangladesh pedir três meses de adiamento da nova tarifa – de 37% – para “implementar as medidas destinadas a aumentar substancialmente a importações americanas”.
No total, 80% da produção de têxteis e roupas feitas em Bangladesh é exportada para os Estados Unidos. Ou seja, o país está diante da possibilidade de ruína total.
Detalhe: a renda per capita de Bangladesh é de 2,5 dólares, contra 82 mil dólares dos Estados Unidos. Outro dado mostra a astronômica distância entre os dois países: o mercado de vestuário nos Estados Unidos passou de 350 bilhões de dólares no ano passado, muito perto do PIB de Bangladesh inteiro. É difícil ver, nesse caso, como os americanos foram “explorados” e “abusados”, como diz Trump.
A PALAVRA DE DIMON
As vantagens comerciais dadas a países pobres, ou não tão pobres assim, sempre fizeram parte da política mais ampla dos Estados Unidos, atendendo a seus interesses de estabilidade em lugares complicados e, claro, do exercício do poder de influência.
Trump, claro, acha isso tudo errado e quer mudar radicalmente de abordagem. Será ele acessível a negociações caso a caso? A resposta negativa do mercado influenciará suas decisões?
Nada indica isso até agora. Nem uma voz como a de James Dimon, o CEO do JPMorgan, deve contar. Mas tudo o que ele diz é anotado pelos mercados.
“Qualquer que seja a legitimidade das razões para as novas tarifas – e, naturalmente, algumas existem -, ou o efeito de longo prazo, bom ou ruim, haverá provavelmente efeitos importantes a curto prazo”, disse ele. “Provavelmente veremos resultados inflacionários, não apenas nos produtos importados, mas nos preços internos, à medida em que os custos e a demanda aumentam”.
“Continua em aberto se o menu de tarifas causará uma recessão, mas ele diminuirá o ritmo do crescimento”.
CRIVO IMPLACÁVEL
Isso é praticamente o que todo mundo está dizendo, mas Dimon foi o primeiro nomão de um grande banco a fazê-lo em público.
Sobre a proposta do Vietnã de extinguir as tarifas sobre produtos americanos, o assessor comercial Peter Navarro já deu uma resposta nada simpática.
“Quando eles dizem para nós ‘vamos fazer tarifa zero’, não significa nada porque são as trapaças não tarifárias que contam”, disse ele. Entre elas, mencionou a exportação “disfarçada” de produtos chineses não identificados como tal, o roubo de propriedade intelectual e um imposto de valor agregado.
A coisa vai ser difícil para o vietnamita To Lam ou qualquer outro líder disposto a aplacar Trump com medidas que parecem grandes concessões, mas vão passar por um crivo implacável.
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