17 de abril de 2025

Epidemia da desinformação: a face digital que ameaça o tratamento do câncer

Enquanto a medicina avança em um cenário crescente de incidência de câncer, doença que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) responde por 22 milhões de novos diagnósticos globais anualmente, uma ameaça silenciosa cresce nas telas: a desinformação online.

No Dia Mundial de Combate ao Câncer nesta terça-feira, 8 de abril, especialistas alertam: a batalha contra a doença agora também é digital. À CNN, médicos mostram preocupação com a veiculação de notícias falsas.

Isso porque, promessas de curas milagrosas e tratamentos sem base científica circulam livremente nas redes sociais, colocando em risco a adesão de pacientes a terapias comprovadas e potencialmente salvadoras.

“Entre receitas milagrosas, tratamentos alternativos sem endosso científico e conselhos de celebridades, pacientes com câncer são bombardeados com informações potencialmente perigosas que podem comprometer seus tratamentos ou até mesmo levá-los a abandonar terapias comprovadamente eficazes”, explica Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co.

Um estudo recente analisou 200 vídeos sobre câncer no TikTok e descobriu que 81% deles continham informações não confiáveis. O que vem sendo chamado de “Tik Health” se tornou uma fonte primária de informação para muitas pessoas, especialmente jovens, substituindo consultas médicas e fontes confiáveis.

Celebridades e influenciadores: o perigo da amplificação

Em janeiro deste ano, o ator Mel Gibson afirmou no podcast The Joe Rogan Experience, que alcança milhões de ouvintes, que três amigos com câncer em estágio avançado teriam sido curados com ivermectina e fenbendazol – medicamentos aprovados apenas para tratar infecções parasitárias, sem qualquer evidência científica de eficácia contra o câncer.

“Quando uma figura pública faz declarações como essa, o impacto é imenso. Temos pacientes chegando ao consultório querendo interromper a conduta terapêutica prescrita para tomar remédios livremente vendidos nas farmácias para outros fins porque ‘ouviram que funciona’”, relata Ferreira.

Não é um caso isolado. Em 2015, Belle Gibson, influenciadora australiana, admitiu ter fraudado sua história de cura de um suposto câncer terminal através de dietas e terapias alternativas. Antes disso, ela havia construído um império que incluía um aplicativo de saúde promovido pela Apple e um livro de receitas publicado por uma grande editora.

As narrativas enganosas seguem comumente padrões identificáveis: relatos de curas milagrosas, teorias conspiratórias sobre tratamentos suprimidos pela indústria farmacêutica, e a promoção de produtos “naturais” que supostamente combatem tumores sem os efeitos colaterais dos tratamentos convencionais.

Interferências perigosas no tratamento

“Muitos pacientes não compreendem que até mesmo suplementos ‘naturais’ podem interferir severamente nos resultados das condutas prescritas”, alerta o oncologista. “Essas interferências podem não apenas reduzir a eficácia dos tratamentos oncológicos, mas também potencializar efeitos colaterais de forma significativa.”

Ferreira explica que certas substâncias podem interagir com medicamentos adotados para tratar o câncer, aumentando toxicidades ou reduzindo a eficácia das terapias efetivamente indicadas pelo profissional de saúde. “Tivemos casos de pacientes que desenvolveram problemas francês de saúde por consumirem chás ‘desintoxicantes’ durante a quimioterapia sem comunicar isso ao corpo clínico responsável pela linha de cuidado. Outros sofreram hemorragias ao combinar determinados suplementos com anticoagulantes usados durante o tratamento.”

Um relatório divulgado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) em março aponta que cerca de 65% dos pacientes com câncer usam algum tipo de terapia complementar, mas apenas 30% informam seus médicos sobre essa prática.

A busca por milagres

A vulnerabilidade psicológica que acompanha o diagnóstico de câncer cria um terreno fértil para a disseminação de falsas esperanças. “Quando alguém recebe um diagnóstico de câncer, especialmente em estágio avançado, existe um desespero natural que pode tornar qualquer promessa de cura atraente”, explica Cristiane Bergerot, pisco-oncologista e líder da especialidade Equipe Multidisciplinar da Oncoclínicas&Co.

Há ainda situações de pacientes de fato diagnosticados como tumores, como a Jessica Ainscough, conhecida nas mídias sociais como “The Wellness Warrior”. A influenciadora australiana ganhou notoriedade ao rejeitar tratamentos convencionais para um câncer raro em favor da controversa Terapia Gerson.

Esse tratamento alternativo, desenvolvido por Max Gerson na década de 1920, consiste em uma dieta vegetariana orgânica rigorosa, sucos de frutas e vegetais frescos, diversos suplementos e enemas de café frequentes – elemento central do processo, justificado por defensores como essencial para desintoxicar o fígado e ajudar o corpo a eliminar toxinas, supostamente aumentando os níveis de glutationa e estimulando o sistema imunológico. Ainscough faleceu em 2015, sete anos após o diagnóstico.

“Casos como o dela são trágicos porque, além da perda individual, inspiram outros pacientes a seguirem o mesmo caminho, adiando ou rejeitando tratamentos que poderiam salvar suas vidas”, comenta Bergerot.

É importante destacar que a Terapia Gerson não possui comprovação científica como tratamento eficaz contra o câncer e não é reconhecida pela medicina. “Organizações médicas respeitadas, como American Cancer Society (ACS) e SBOC, alertam que abandonar tratamentos convencionais em favor deste tipo de conduta sem embasamento de estudos que comprovem sua eficácia pode ser perigoso e comprometer a saúde de pacientes com câncer”, complementa Ferreira.

Relações parassociais e confiança digital

Pesquisadores da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, identificaram que parte do poder dos influenciadores na área da saúde vem das chamadas “relações parassociais” – conexões emocionais unilaterais em que seguidores desenvolvem um sentimento de intimidade e confiança com pessoas que nunca conheceram pessoalmente.

“É um fenômeno psicológico extremamente poderoso. Os seguidores sentem que conhecem o influenciador, confiam nele como confiariam em um amigo próximo, e isso pode superar até mesmo a confiança em profissionais de saúde que dedicaram décadas ao estudo e tratamento do câncer”, afirma Bergerot.

Para ajudar pacientes e familiares a navegarem por este cenário desafiador, Carlos Gil Ferreira e Cristiane Bergerot recomendam:

  1. Verificar sempre a fonte: Informações sobre tratamentos devem vir de instituições médicas reconhecidas ou estudos publicados em periódicos científicos respeitados.
  2. Comunicar tudo ao médico: Qualquer suplemento, dieta especial ou terapia complementar deve ser discutida com a equipe médica.
  3. Desconfiar de “curas milagrosas”: Se algo parece bom demais para ser verdade, provavelmente é.
  4. Buscar grupos de apoio certificados: Organizações como a Associação Brasileira de Apoio a Pacientes com Câncer e o Instituto Oncoguia oferecem suporte emocional baseado em informações confiáveis.

“No Dia Mundial de Combate ao Câncer, precisamos lembrar que a informação de qualidade salva vidas. Tão importante quanto desenvolver novos tratamentos é garantir que os pacientes tenham acesso às terapias já comprovadas, sem serem desviados por promessas vazias que podem custar precioso tempo de tratamento e, em muitos casos, a própria vida”, conclui o diretor médico da Oncoclínicas&Co.

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