7 de abril de 2025

Barrada no baile: os efeitos da condenação que tor…

Pouco antes de a sentença ser pronunciada, Marine Le Pen, deputada e líder de fato da extrema direita francesa, deixou às pressas o Tribunal Penal de Paris, onde estava sendo julgada havia nove semanas, sentindo que coisa boa não vinha. Estava certa: na segunda-feira 31, apontada como cabeça de um esquema de desvio de verba pública, ela foi declarada culpada e se tornou inelegível por cinco anos — barrada, portanto, das eleições presidenciais de 2027. A decisão virou de cabeça para baixo a corrida que definirá o sucessor de Emmanuel Macron, visto Le Pen aparecer em primeiro lugar nas pesquisas, com 37% das intenções de voto, 10 pontos a mais do que qualquer outro pré-candidato. Sair à francesa? Não. Depois do veredito, a acusada brandiu a clássica acusação de “perseguição” e prometeu lutar até o último recurso judicial. “Não vou deixar que me eliminem”, esbravejou.

A decisão foi um golpe nas suas ambições (2027 seria sua quarta tentativa de virar presidente), mas teve o efeito colateral no seu partido, o Reagrupamento Nacional (RN), de inflamar as chamas do radicalismo. Protestos foram convocados para o fim de semana e uma petição para “salvar a democracia francesa” ganhou 300 000 assinaturas, tudo embalado por uma enxurrada de críticas ao “exagero judicial” de direitistas radicais na Itália, Espanha, Hungria e Holanda. Jair Bolsonaro, uma semana após virar réu no STF por tentativa de golpe, disparou que a esquerda quer “tirar oponentes do jogo” por meio da Justiça. Jordan Bardella, pupilo que Le Pen colocou na liderança do RN, também falou em uma “ditadura dos juízes”. Qualquer semelhança com menções do presidente americano Donald Trump a uma “caça às bruxas” contra sua pessoa não é mera coincidência. “Mesmo válida, a sentença insufla o discurso dos perseguidos e dá munição ao argumento populista de que só o povo manda”, diz Demétrius Pereira, professor de relações internacionais da ESPM.

O processo contra Le Pen girou em torno do uso indevido da verba do Parlamento Europeu reservada exclusivamente para despesas com as funções dos deputados. Le Pen, que lá teve assento entre 2004 e 2016, passou onze desses doze anos usando o dinheiro que lhe coube para financiar o RN em casa. Outros oito eurodeputados e doze assessores foram condenados pelo desvio de 4,1 milhões de euros. Além da proibição de concorrer a cargos públicos, ela recebeu multa de 100 000 euros. Uma pena de prisão de quatro anos, dos quais dois serão suspensos, ainda aguarda recurso para ser executada.

O partido não estava preparado para o revés. Bardella, o terceiro político mais popular da França (depois da própria Le Pen e do ex-primeiro-ministro Édouard Philippe) e estrela do TikTok que rejuvenesceu a imagem da legenda, é visto como um Plano B frágil. “A previsão era que ele se tornasse primeiro-ministro, não presidente”, diz Vivien Schmidt, da Universidade de Boston. Por um lado, sua inexperiência e a mancha na imagem de Le Pen podem prejudicar o RN nas próximas eleições. Por outro, o discurso da perseguição pode dar ainda mais fôlego à extrema direita, em um momento em que o governo centrista de Macron patina em popularidade, o que se refletirá em qualquer candidato que ele endosse. A política francesa, antes tão previsível, agora é um carrossel de fortes emoções.

Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938

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