

“Pessoal, a situação está feia e estamos passando vergonha”. Em bom português, foi isso que o chefão da Siri, Robby Walker, disse aos seus subordinados na Apple. O clima não era dos melhores: a empresa prometeu em junho de 2024 que lançaria em breve uma nova Siri, aprimorada pela Apple Intelligence – a IA da Apple.
Inicialmente, a expectativa era de que os novos recursos fossem liberados pouco depois do lançamento da linha iPhone 16, em setembro. A data esperada era abril de 2025. Depois, passou para maio. Depois, 2026, sem se comprometer com o mês. Agora, o burburinho que corre no Silicon Valley é de que a nova geração da Siri pode só ficar pronta só lá em 2027…
É um desvio de rota e tanto para a Apple. Ao longo dos últimos anos – enquanto se tornava uma das empresas mais lucrativas da história –, a companhia cultivou uma imagem quase religiosa de excelência em seus produtos (design refinado, tecnologia sólida, lançamentos milimetricamente orquestrados) e sempre cuidou para que eles só fossem anunciados quando estivessem prontos. Não bastava “funcionar”, tinha de ser indiscernível de mágica.
Mas, no caso da Siri com IA, foi só um truque de mágica – pelo menos até aqui. No anúncio feito em junho de 2024 na Worldwide Developers Conference (WWDC), soube-se depois, foi feito com um vídeo simulado. Sendo mais claro: a Apple Intelligence, principal estratégia para convencer usuários de iPhone a trocar seus aparelhos pela linha 16, não é muito mais do que um protótipo com sérios problemas de funcionamento.
Muita coisa deu errado. Em resumo:
- Instabilidade e bugs: A tecnologia não estava funcionando corretamente, com relatos de que operava de forma confiável em apenas dois terços a 80% das vezes, o que não atendia aos padrões de qualidade da Apple.
- Controle por voz: A funcionalidade que permitiria à Siri controlar aplicativos com mais precisão por meio de comandos de voz também não estava pronta.
- Integração e desempenho: Havia preocupações internas de que executar modelos de IA mais poderosos nos dispositivos da Apple poderia sobrecarregar o hardware, exigindo uma redução no conjunto de recursos ou um desempenho mais lento em dispositivos atuais ou mais antigos.
- Confiabilidade no mundo real: Mesmo com o uso de IA, a Siri ainda não era considerada confiável para funcionar adequadamente em situações de uso real.
- Acesso a dados do usuário: A capacidade de a Siri acessar dados pessoais do usuário para responder a consultas de forma eficaz e precisa ainda não estava totalmente desenvolvida. Essa é uma desvantagem importante em relação a concorrentes como a Alexa, da Amazon, e pode ser um obstáculo para tornar a Siri verdadeiramente inteligente e competitiva, como mostra esta reportagem da Wired.
Ou seja: no caso da Siri com IA, os publicitários atropelaram os engenheiros.
Daí o climão naquela conversa de Robby Walker com a equipe responsável pela Siri, citado ali no começo do texto. A mistura de feedback com mea culpa aconteceu na semana retrasada.
De acordo com a Bloomberg, o executivo disse que os atrasos são “feios e embaraçosos” e que seria compreensível que a equipe envolvida estivesse se sentindo “irritada, desapontada, esgotada e envergonhada”. Os vazamentos marcaram a queda de 11% das ações da Apple naquela semana, o pior resultado para os papéis da companhia desde novembro de 2022.


Ali, além das dúvidas a respeito de quanto apelo a Apple Intelligence pode adicionar à linha iPhone 16, pesaram contra as ações da empresa as repercussões globais das tarifas impostas por Donald Trump a produtos que os EUA importam, o que inclui iPhones – lembra da inscrição na traseira do aparelho? Designed by Apple in California/Assembled in China.
Na semana seguinte, a Siri foi tirada das mãos de John Giannandrea, responsável pela área de inteligência artificial da Apple – e então chefe de Walker. A imprensa americana noticiou que Tim Cook, CEO da Apple e sucessor de Steve Jobs no cargo, teria perdido a confiança no trabalho de Giannandrea, que fez fama desenvolvendo projetos de pesquisa por voz no Google.
A ida de Giannandrea para a Apple foi considerada, na época, um marco estratégico. Era 2018 e a Apple estava finalmente dizendo: “agora levamos inteligência artificial a sério”. Justamente por isso, o desempenho decepcionante da Siri virou não apenas um problema de produto, mas também um arranhão na reputação do próprio Giannandrea dentro da companhia – o que ajuda a entender a perda de poder.
Agora, caberá a Mike Rockwell, criador do Vision Pro, a tarefa de revitalizar a Siri e tentar a reparar a imagem da Apple – ou, quem sabe, evitar um vexame maior.
Um desafio de negócios, mas também uma questão de honra para a Apple. A Siri foi apresentada como recurso principal do iPhone 4S em outubro de 2011, três anos antes de a Amazon anunciar seu primeiro Echo com Alexa e só um dia antes da morte de Steve Jobs.
Lançada de maneira independente como um aplicativo para iPhone em 2010, a Siri foi comprada pela Apple e depois incorporada aos aparelhos. Para quem conhece de perto a história, teria sido o último negócio fechado por Steve Jobs como CEO da Apple – e talvez sua derradeira visão para a companhia.
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