A estrela do novo live-action da Disney “Branca de Neve” não perdeu tempo ao criticar a versão original, dizendo que esta tinha “ideias antiquadas sobre mulheres no poder”. Quando as filmagens começaram, geraram um conflito na comunidade de atores anões: usar anões reais ou não?
O New York Post apelidou o filme de “Snow Woke” (woke é o novo ‘politicamente correto’). As greves de Hollywood interromperam a produção e um incêndio danificou o telhado de palha de uma das casas do set. As atrizes que interpretam Branca de Neve e a Rainha Má até declararam suas opiniões — opostas — sobre a guerra em Gaza.
O último filme da Disney se tornou um conto de fadas sombrio.
Quando os executivos da Walt Disney Company decidiram, há uma década, fazer uma “Branca de Neve” moderna, não imaginaram que haveria tanto rebuliço. Eles queriam produzir uma nova versão de um de seus amados filmes clássicos de princesas que agradasse, ou pelo menos não ofendesse, a todos. Fizeram isso com sucesso com outras vacas sagradas, como “O Rei Leão” e “Mary Poppins”.
Só que agora, parece que todas as suas decisões conseguiram deixar as pessoas revoltadas. Esta Branca de Neve seria mais durona que sua antecessora, decidiram eles. Ela não está apenas esperando por um príncipe. Seu nome seria inspirado em uma tempestade de neve, em vez de ter “a pele branca como a neve”. Branca de Neve seria interpretada pela atriz latina Rachel Zegler. Os anões seriam gerados por computador, não artistas humanos.
A Disney gastou quase US$ 300 milhões para fazer “Branca de Neve”, que estreia na sexta-feira. Espera-se que traga um fim de semana de estreia bruto de cerca de US$ 50 milhões nos EUA. Isso não é muito se comparado com os fins de semana de abertura de remakes anteriores da Disney, como “A Bela e a Fera” e “O Rei Leão”, ambos com fins de semana próximos a US$ 200 milhões. As primeiras críticas foram um tanto positivas, se você não contar as manifestações on-line.
As atualizações live-action da Disney produziram alguns sucessos — seis dos filmes arrecadaram cada um mais de US$ 1 bilhão em todo o mundo. Outros remakes de clássicos como “Dumbo” não conseguiram decolar, e um “Pinóquio” estrelado por Tom Hanks como Gepeto foi desaprovado pelos críticos.
“Branca de Neve” é um dos dois remakes live-action que a Disney está lançando este ano. “Lilo e Stitch” chega no meio do ano, com “Moana” programado para 2026 e “Enrolados” e outros em desenvolvimento.
Os problemas para “Branca de Neve” começaram logo depois que a atriz de “Amos, Sublime Amor”, Zegler, foi anunciada como sua personagem-título, ao lado da estrela de “Mulher Maravilha” Gal Gadot como a madrasta vingativa. Antes do início das filmagens, Zegler se referiu ao filme de animação como “extremamente datado”.
Suas observações foram uma manifestação da tensão que a Disney enfrenta ao refazer filmes amados produzidos em outra época, com diferentes normas sociais. (No original “Cinderela”, a princesa escolhe se casar com o Príncipe Encantado, apesar do fato de que ele ter apenas seis linhas de diálogo, duas das quais são “Espere!”)
Para avançar com um novo “Branca de Neve”, os executivos da Disney tentaram antecipar o que o público de hoje esperaria — quais cenas devem ser incluídas e quais elementos seriam vistos como desatualizados. Por exemplo: a frase “a mais bela de todas” (‘fairest of them all’ pode significar a mais bela ou a mais clara) tinha que estar lá, mas os executivos da Disney temiam que o público pudesse presumir que sua heroína era anunciada por ser a mais clara das mulheres.
Eles também enfrentaram reações contrárias à escolha de Zegler, que é descendente de colombianos, e, nas redes sociais, alguns fãs disseram achar difícil conciliar com uma personagem conhecida por sua pele clara.
“A mais bela de todas”, nesta versão, teria uma definição expandida para significar a mais gentil, não apenas a mais bonita. O conto de fadas original dos Irmãos Grimm, publicado em 1812, faz referência à tempestade de neve que agora dá o nome de Branca de Neve.
Quanto aos comentários críticos on-line feitos a Zegler, a atriz resolveu o problema por si só.
“Sim, eu sou branca de neve, não, eu não estou branqueando minha pele para o papel”, postou ela nas redes sociais antes de excluir a mensagem. Ela descreveu os críticos desta forma: “Perdedores obcecados em manter a pureza da linhagem das princesas dos desenhos animados”.
A Disney já estava entrando em várias guerras culturais antes da escalação de Zegler, quando introduziu avisos de conteúdo em alguns de seus filmes clássicos, aconselhando os pais sobre o insulto “peles-vermelhas” em “Peter Pan” e sobre estereótipos anacrônicos em “Dumbo”, de 1941, que conta com um corvo chamado Jim Crow. Os avisos foram ridicularizados pelos críticos que os viram como uma correção excessiva.
“Branca de Neve” logo se transformou em um saco de pancadas para comentaristas conservadores do YouTube.


“COISA DE PESADELO! Rachel Zegler transforma ‘Branca de Neve’ em uma piada total!”, alardeia um vídeo.
Após a reeleição de Donald Trump, a atriz gerou mais ira quando postou uma declaração no Instagram dizendo: “que os apoiadores e eleitores de Trump e o próprio Trump nunca tenham paz”. A comentarista conservadora Megyn Kelly respondeu: “Olá, Disney, você vai ter que refazer seu filme novamente porque essa mulher é uma porca.”
Depois, havia a questão dos anões. Peter Dinklage, cujo trabalho em “Game of Thrones” fez dele o artista anão mais proeminente do mundo, criticou a ideia de refazer “Branca de Neve”. Ele acusou a Disney de hipocrisia por escalar uma atriz latina para o papel principal de um filme que infantilizava anões.
“Você é progressista de certa forma, mas ainda está fazendo aquela história de sete anões vivendo juntos em uma caverna?”, disse ele no podcast do comediante Marc Maron em janeiro de 2022.
As filmagens ainda não haviam começado.
Os executivos da Disney tentaram amenizar a resposta gerada pelos comentários de Dinklage. Um consultor da Disney contatou o ator para explicar seu plano. O estúdio emitiu um comunicado dizendo: “estamos adotando uma abordagem diferente com esses sete personagens e consultando membros da comunidade de anões”.
Com o novo “Branca de Neve”, os executivos da Disney perceberam que os efeitos especiais haviam atingido uma qualidade tão alta que os anões CGI não seriam vistos como estranhos ao lado de atores humanos. As filmagens começaram no Pinewood Studios, localizado nos arredores de Londres.
Em seguida, uma foto do set vazou: A personagem da Branca de Neve caminhando por um campo verdejante seguida não pelos anões da versão tradicional, mas por sete pessoas de várias alturas, raças e gêneros. A imprensa britânica espalhou a imagem por toda parte. Não importa que os sete fossem atores interpretando uma equipe de bandidos de outra história, o dano estava feito. Os observadores chegaram à conclusão incorreta de que a Branca de Neve da Disney havia trocado seus anões por um anúncio da Benetton.
Os comentários de Zegler e as fotos mal interpretadas alimentaram uma narrativa que tomou forma nos anos anteriores, que transformou a Disney no alvo número um para aqueles que procuram evidências da agenda woke de Hollywood.
Em seus parques temáticos, a empresa em 2021 substituiu uma saudação que começava com “Senhoras e senhores, meninos e meninas” por “Sonhadores de todas as idades”. Lançamentos recentes como “Lightyear” apresentavam personagens gays, e os líderes da empresa em 2022 se manifestaram contra a legislação da Flórida que os críticos chamaram de lei “Don’t Say Gay” (Não diga Gay) — colocando-os em uma batalha de um mês com o governador do estado, Ron DeSantis.
Para reprimir o alvoroço dos anões, a Disney divulgou uma imagem do filme de Zegler em pé com os sete anões CGI para mostrar, nas palavras de um ex-executivo, que “não reprojetamos os anões”.
Não funcionou. Agora os artistas anões estavam revoltados.
“Esta poderia ter sido uma oportunidade de mudança de vida”, disse Dylan Postl, anão de 38 anos que trabalha como lutador profissional na WWE e cujos créditos de atuação incluem “Muppets 2: Procurados e Amados” e “O Duende: As Origens”.
Hollywood percorreu um longo caminho desde a escalação de anões em papéis como os Munchkins ou Oompa-Loompas, que só permitem que os artistas sirvam de piada, disse Postl. Os executivos da Disney brincaram brevemente com a ideia de escalar atores ao vivo como os anões antes de decidir que os efeitos visuais fotorrealistas eram a melhor opção.
Do ponto de vista de Postl, uma nova “Branca de Neve” da Disney seria uma grande oportunidade para atores anões — algo que raramente aparece.
“Todos esses anões têm personalidades distintas”, disse ele. “Não é ‘Branca de Neve e os Sete Humanos de Tamanho Normal’”.


Havia uma pressão adicional pairando sobre a equipe da Disney: a própria história da Branca de Neve. Dentro da empresa, Branca de Neve é a princesa conhecida por alguns como “aquela que comprou o lote”.
O filme de animação original estreou em 1937, quase uma década depois que Walt Disney apresentou Mickey Mouse às massas em “Steamboat Willie”. Na década entre as duas produções, a Disney oscilou com a insolvência — o custo de “Branca de Neve e os Sete Anões” atingiu astronômicos US$ 1,5 milhão e exigiu que Walt Disney colocasse seu próprio dinheiro no filme para concluí-lo.
Depois de uma gigantesca estreia em Hollywood com Marlene Dietrich, anões empunhando picaretas e um ator vestido de Pato Donald, “Branca de Neve e os Sete Anões” mais do que recuperou seu orçamento quando se tornou o filme sonoro de maior bilheteria de todos os tempos. Ajustado pela inflação, o filme arrecadou mais de US$ 4 bilhões. Sergei Eisenstein, diretor de “Encouraçado Potemkin”, chamou-o de o maior filme já feito.
Também encheu a Walt Disney Company de dinheiro. A torneira permaneceu aberta por anos, e os animadores de Walt produziram os sucessos “Bambi”, “Pinóquio” e “Dumbo”.
Branca de Neve é desde então figurinha carimbada na prateleira de brinquedos e nos parques temáticos da Disney desde então. Quando “Branca de Neve e os Sete Anões” foi disponibilizado em vídeo caseiro em 1994, mais de dez milhões de cópias foram vendidas na primeira semana. Junto com “Cinderela” e “A Bela Adormecida”, ela se tornou um emblema circular de promoção de Walt, no qual as vendas de bilheteria alimentam as compras de brinquedos e as visitas a parques temáticos em um loop infinito.
Como a versão dos Irmãos Grimm de Branca de Neve está em domínio público, outros estúdios puderam contar a história — em versões dobradas como “Espelho, Espelho Meu” ou “Branca de Neve e o Caçador”, ambos lançados em 2012. Uma nova Branca de Neve da Disney reforçaria sua conexão com a própria Disney.
No verão de 2023, a equipe de “Branca de Neve” se apressava para encerrar as filmagens antes que uma greve antecipada do sindicato dos atores começasse. Algumas das cenas do filme combinavam artistas humanos com efeitos especiais que levaram semanas para serem finalizados, e a corrida começou para colocar essas cenas “na lata” para que os responsáveis pelos efeitos pudessem ajustá-los enquanto os atores faziam piquetes.
No entanto, nem todas as cenas estavam concluídas quando a greve começou em julho de 2023. As filmagens só seriam retomadas com o fim da greve quase quatro meses depois, forçando a Disney a adiar o lançamento de “Branca de Neve” em março de 2024 para março de 2025. E refilmagens adicionais foram necessárias, pois os executivos tentavam melhorar o filme.
Já era uma produção cheia de má sorte. Um incêndio no set derrubou uma árvore e se espalhou para uma cabana falsa, e um vídeo do acontecido mostrou um incêndio que exigiu 12 caminhões de bombeiros para ser apagado.
Então o mundo real interveio. No período entre as filmagens, o Hamas liderou ataques terroristas no sul de Israel que mataram mais de 1.200 pessoas, e Israel respondeu com uma campanha militar em Gaza. Gadot, ex-miss Israel que serviu nas Forças de Defesa do país, tornou-se uma das mais francas apoiadoras de seu país natal em Hollywood. Ela organizou exibições de um filme que retratava as atrocidades e recentemente fez um discurso para a Liga Antidifamação, criticando aqueles que estavam “torcendo por um massacre de judeus”.
Zegler, sua inimiga na tela, compartilhou seus próprios pensamentos sobre a guerra em agosto de 2024, em um post em uma rede social que concluiu: “lembre-se sempre, palestina livre”. Foi um adendo a um post no qual agradecia seus seguidores pelo apoio após o lançamento do trailer de “Branca de Neve”.
As duas mulheres agora representavam lados opostos do conflito.
Embora a Disney tenha divulgado fotos das duas sorrindo juntas em eventos publicitários, grupos de defesa dos palestinos pediram um boicote ao filme, dado o envolvimento de Gadot.
No sábado, a Disney realizou uma estreia com tapete vermelho na Hollywood Boulevard, a seis quilômetros do local da estreia original de 1937.
O evento de 1937 foi chamado de “a estreia mais extraordinária da história do cinema”. O tapete vermelho do último sábado não contou com a imprensa na porta.
Escreva para Erich Schwartzel em [email protected]
Traduzido do inglês por InvestNews
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