23 de março de 2025

As boas e as más notícias que deixam Milei na defe…

O presidente da Argentina, Javier Milei, parece jogar pôquer. Aposta alto, põe e tira as fichas da mesa, compra o que pode, ensaia quebrar a banca, arremessa tudo para o alto, finge blefar, mas não — e, em muitos casos, subverte as regras. Com tamanha volatilidade, os resultados podem variar drasticamente, divergindo recentemente entre boas e más notícias para o ultraliberal.

De um lado, Milei tem tentado, e de certa forma sucedido, domar a economia. Em fevereiro, conseguiu o 13º superávit consecutivo em 14 meses de governo. A inflação mensal também desacelerou, passando de 25,5% em dezembro de 2023 para 2,7% em outubro do ano passado, no menor índice desde 2020. Mas a melhora econômica ainda não se fez sentir no bolso dos argentinos, que têm de lidar com amplos problemas sociais.

Greve geral

No horizonte, Milei enfrenta uma tempestade prevista para abril: uma greve geral, chamada para o dia 10, que tem como um dos principais motes protestar contra o desemprego. Manifestações não são novidade para o ultradireitista, que se acostumou a governar por decretos presidenciais e a aplicar polêmicas reformas, passando a “motosserra” na máquina pública. Mas a recente truculência dos policiais contra manifestantes de um ato de aposentados, na semana passada, e a ameaça de catalogar as torcidas de futebol que saíram em apoio dos idosos como “organizações terroristas” trouxeram uma nova chuva de críticas à Casa Rosada, aumentando o ruído e a potência das demonstrações contrárias.

Agora, grupos feministas, torcedores – os que não são das organizadas – e sindicatos aderiram ao movimento e foram às ruas do país, apoiados pelos movimentos peronista e kirchnerista. Encurralado, Milei adotou uma estratégia defensiva e aumentou a segurança na Casa Rosada e no Congresso Nacional, separando manifestantes das forças policiais. Em reflexo, sua estrondosa popularidade, que antes dava força às mudanças austeras, passou a mostrar prenúncios de queda.

Um levantamento da empresa de consultoria Equipo Mide apontou que cerca de 49% dos entrevistados acreditavam que o país estava pior do que antes de Milei ascender ao poder. A pesquisa também mostrou que a imagem positiva do autodenominado “anarcocapitalista” mudou, caindo de 52% para 45% nos últimos meses. Na economia, 28% afirmaram que acham que a inflação voltará a subir, um sinal da descrença na “terapia de choque” implementada pelo economista nada ortodoxo.

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Escândalos e manobras

Não ajuda que Milei tem se envolvido em encrencas. No mês passado, o presidente argentino usou as suas redes sociais para promover a pouco conhecida criptomoeda $LIBRA, afirmando que se tratava de “projeto privado” que visava “incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenas empresas e empreendimentos”. Após dar seu selo de qualidade, o ativo registrou alta e chegou a atingir 4.978 dólares (cerca de 28.512 reais).

Em meio à rápida valorização, investidores que haviam comprado a moeda antes da divulgação do presidente argentino passaram a vendê-la, dando início à polêmica. Pouco depois, Milei apagou a publicação e, num novo post, alegou que “não estava ciente dos detalhes do projeto” e que “depois de tomar conhecimento, decidiu não continuar difundindo”. No trading digital, a manobra é conhecida como “rug pull”, ou “puxada de tapete”, e consiste em levantar ativos anunciando um token, como a $LIBRA, e encerrar abruptamente o projeto, gerando prejuízos a quem investiu no ativo. O escândalo levou a um pedido de impeachment da oposição, que tem fracassado na iniciativa.

Não parou por aí. Ainda em fevereiro, o economista nomeou por decreto dois juízes para a Suprema Corte da Argentina, numa manobra que permitiu que os nomes não precisassem passar pelo Senado, como demanda a Constituição do país, abrindo espaço para uma nova crise política. Na ordem, o governo criticou abertamente o Legislativo e disse que “a Câmara Alta deveria ter dado seu acordo aos candidatos propostos pelo Poder Executivo”.

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“De maneira nenhuma o Senado tem a condição de rejeitar o acordo dos candidatos propostos pelo presidente com base em preferências pessoais ou políticas dos senadores”, acrescentou.

Vitória importante

Apesar das polêmicas e percalços, Milei tem obtido importantes vitórias. Por margem estreita, a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou na quarta-feira 19 um decreto presidencial para um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em sessão acalorada, com trocas de gritos entre governo e oposição, a votação terminou com placar de 129 votos a favor do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), 108 contrários e 6 abstenções. Para que fosse aprovado, era necessário conquistar apenas uma maioria simples (metade dos presentes mais um).

Embora empréstimos no exterior precisem ser aprovados pela Câmara e pelo Senado, o líder argentino adotou, mais uma vez, uma controversa estratégia de utilizar-se de um decreto. Assim, seria necessário que as duas casas do Legislativo o rejeitassem para que o ato presidencial fosse derrubado. Ou seja, com o aval da Câmara dos Deputados, já foi salvo. Espera-se que o novo acordo com o FMI, com prazo de pagamento de dez anos, viabilize um fluxo de assistência financeira ao país, que precisará, em troca, investir em reformas estruturais e medidas para estabilizar a economia.

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O receio de Milei, agora na defensiva, é de que os acertos não superem os erros na visão pública e prejudiquem o desempenho de seu partido, A Liberdade Avança, e aliados nas eleições legislativas, marcadas para outubro deste ano. Para chegar à Casa Rosada, Milei contou com o apoio de 25% de eleitores que não votaram nele no primeiro turno, mas que depois mudaram de ideia e optaram pela sua candidatura no final. Com isso, conseguiu derrotar com folga o peronista Sergio Massa.

Não há como saber se o apoio sobreviverá, inalterado, ao pleito parlamentar. Agora, resta aguardar as cenas dos próximos capítulos. Até lá, Milei talvez não tenha dias tranquilos, com os gritos dos protestos do lado de fora da sede da presidência, no coração de Buenos Aires. Mas também não deve dar tranquilidade aos argentinos.

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