21 de março de 2025

Na Ambipar, o fundador enriquece enquanto a empresa luta contra dívidas bilionárias

No momento em que o mercado financeiro discute seu relacionamento com o mundo ESG, a maior empresa brasileira do setor de gestão ambiental também vive uma crise de confiança entre investidores. A Ambipar passou de sensação da bolsa logo após o IPO para a condição de uma estrela cadente, alvo de muitos questionamentos.

A Ambipar á uma empresa única, praticamente sem concorrentes. Ela tem diferentes atividades relacionadas com questões ambientais, como gestão de crises, tratamento de água e de efluentes, além de fabricação de embalagens com material reciclado. Foi justamente essa pegada mais ecológica que colocou a companhia no radar do mercado e abriu o caminho para o IPO. Desde que teve suas ações listadas na B3, a empresa cresceu muito: entre julho de 2020 até início de 2023, a holding fez 43 aquisições, sendo 32 concentradas em 2022.

Mas foi justamente essa expansão acelerada que acabou virando uma preocupação para os acionistas – e até afastou muitos deles. A companhia inchou, se endividou e, na visão dos analistas, não entregou o resultado esperado.

Só que, curiosamente, ao mesmo tempo em que a percepção sobre a companhia se deteriorou, o valor da ação disparou. Em poucos meses em 2024, o papel chegou a ter uma alta de 2.800% entre a mínima e a máxima do ano. Saiu de R$ 8,04 no fim de maio para R$ 268 em meados de dezembro. E terminou o ano passado com alta de 700%. Ainda hoje, a ação segue cotada na casa dos R$ 130.

O que provocou essa valorização, na verdade, não foi nenhum fato ou mudança de percepção sobre a companhia, mas sim a inesperada ampliação da participação feita pelo sócio majoritário e uma grande aquisição de ações por parte de uma gestora.

Com a recompra, o fundador e CEO da Ambipar, Tercio Borlenghi Jr, passou a deter 73,48% das ações da Ambipar. No mesmo período, a Trustee DTVM montou uma posição na Ambipar que chegou a 15%, mas hoje está em 8,98%. Com isso, o “free float“, ou seja, o percentual de papéis negociados na bolsa, diminuiu e está em 17,54%, abaixo do nível mínimo de 20% definido pela B3 para o segmento Novo Mercado, do qual a Ambipar faz parte.

Seja como for, a valorização das ações da Ambipar deu um reforço considerável ao patrimônio de Tercio. O valor de mercado atual da Ambipar, de R$ 22 bilhões, coloca o sócio majoritário entre os 15 indivíduos mais ricos do país com uma fortuna de R$ 16 bilhões. E é por isso que esse movimento todo gera estranheza entre analistas que acompanham a empresa. “Falta transparência”, afirmou um dos gestores que chegaram a comprar papéis da Ambipar na oferta inicial e que decidiu zerar a posição.

Na onda do capital verde

Tercio, hoje com 55 anos, fundou a Ambipar em 1995, em um tempo em que termos como “startup” e “ESG” ainda nem existiam. Foi um típico negócio familiar, onde os recursos não vieram de um fundo de venture capital ou de um investidor anjo, mas sim do próprio bolso dos fundadores.

A companhia começou como uma transportadora de resíduos empresariais e, ao longo dos anos, passou a diversificar a atuação. Hoje, é uma multinacional brasileira com presença em 40 países. Fez dezenas de aquisições para verticalizar a operação. Montou usinas de tratamento de resíduos, plantas de geração de energia, frotas de transportes e atendimento e investiu até em um porto no Espírito Santo.

Hoje o portfólio do grupo inclui gestão de materiais descartados, reciclagem, compostagem, redução de desperdícios de água e energia, tratamento de água para indústrias, geração de energia a partir de resíduos, descarbonização de processos, gestão de créditos de carbono e respostas a emergências ambientais, como derramamento de óleo no mar.

Na época do IPO, o executivo decidiu se afastar da condução executiva do grupo e assumiu como presidente do conselho de administração. A mudança abriu caminho para que Izabel Cristina Andriotti assumisse como CEO meses antes da abertura de capital. Isabel foi quem levou adiante o processo junto com o sócio e diretor Guilherme Patini Borlenghi, filho de Tercio.

A Ambipar surfou uma onda de sustentabilidade que, naquele momento, estava no centro das atenções do mercado de capitais. O gatilho foi a carta do CEO da BlackRock, Larry Fink, aos dirigentes de empresas investidas pela casa americana, enviada em janeiro de 2020.

Fink já havia citado os temas de responsabilidades social, ambiental e empresarial em outros textos. Mas na carta escrita há cinco anos, a sustentabilidade virou, pela primeira vez, o assunto central da mensagem do chefe da maior gestora em ativos do mundo. Em muitas gestoras e bancos, o critério de respeito a alguns parâmetros ESG passou a ser considerado tanto para tomar decisões de investimentos quanto para concessão de crédito. Alguns fundos tinham mandato de incluir sem seu portfólio uma determinada quantidade de ações de empresas com compromissos com aspectos ambientais e sociais. E a empresa com esse perfil poderia ter acesso a crédito mais barato no mercado de capitais.

Para a Ambipar, em que 100% das operações se voltam para gestão ambiental e reciclagem, o momento de listagem na bolsa se tornou quase que mandatório. “Para os investidores, o IPO foi como música para os ouvidos“, descreveu uma fonte do mercado financeiro que vivenciou o período. “Era a oferta inicial da empresa mais ESG do mundo e que atua em um setor de crescimento relevante.”

O grupo foi no embalo e ajustou sua narrativa para capitalizar os holofotes financeiros voltados ao ESG. A Ambipar captou R$ 1,08 bilhão na oferta, com as ações precificadas a R$ 24,75.

Dívida em crescimento

Mas a locomotiva ambiental começou a sair dos trilhos quando decidiu se alavancar para crescer, estimulada pela queda de juros para a mínima histórica de 2%, em 2020. Aliás, foi um fenômeno que atingiu muitas empresas de diferentes setores: a oferta abundante de dinheiro barato abriu caminho para apostas arriscadas de expansão, contraindo dívidas elevadas e fazendo negócios com menos cautela.

As desconfianças do mercado ganharam suporte diante da impossibilidade de se avaliar o impacto de tantas operações de fusões e aquisições feitas tão perto uma da outra. “A grande quantidade de aquisições feitas pela Ambipar tornou muito difícil fazer qualquer projeção de receitas, despesas, fluxo de caixa, endividamento”, ponderou uma das fontes.

Para se capitalizar diante dos custos trazidos pelas incorporações, a companhia fez grandes emissões de dívida e uma oferta subsequente de ações (follow on).

No fim de 2022, a dívida bruta atingiu R$ 7,1 bilhões, com um crescimento de 163% frente a 2021. No terceiro trimestre do ano passado, a linha do balanço aponta uma cifra de R$ 8,6 bilhões. No meio do caminho, em outubro de 2023, a companhia fez uma oferta primária subsequente que angariou R$ 700 milhões e ajudou a aliviar o peso do endividamento.

Havia uma lógica por trás dessa fome por aquisições. A Ambipar nunca escondeu sua ambição de se tornar uma empresa global. Após o IPO, o grupo passou a por em prática seu plano. “Esse é o modelo de consolidação global. Todas as empresas globais do setor têm seguido esse mesmo caminho“, afirmou Tercio, em entrevista no início deste ano.

Quando realizou a oferta inicial de ações (IPO) na B3, em 13 de julho de 2020, a companhia faturava cerca de R$ 600 milhões por ano. A Ambipar atual é um grupo com uma receita mais de dez vezes maior, de quase R$ 7 bilhões anuais.

A ilusão do juro baixo

A lua de mel com o mercado durou até o fim de 2022. Logo após o IPO, a holding começou a colocar em prática uma estratégia de aquisições em série no Brasil e em outros países. Foram 43 desde 2020, cerca de 8 por ano.

“Eles começaram a comprar empresas no mundo todo”, disse um dos gestores que acompanhou a história do grupo. “Foi uma dinâmica de aquisições descontrolada.”

Esse processo acendeu uma luz amarela entre os investidores. “Naquela época o juro no Brasil estava muito baixo e os países tinham despejado trilhões de dólares no mercado internacional por conta da covid. Acho que eles, assim como muitas empresas, embarcaram num otimismo meio perigoso. Avançaram numa velocidade muito alta sem ver as curvas lá na frente.”

Hoje a Selic de 14,25% ao ano significa um peso enorme para uma dívida quase toda atrelada ao CDI. O balanço mostra que 94,3% das dívidas da companhia estão atreladas ao juro do certificado. Até mesmo as obrigações em dólar, caso dos US$ 750 milhões de green bonds, que a Ambipar emitiu no mercado internacional em janeiro de 2024, e o posterior alongamento de US$ 500 milhões realizado em janeiro de 2025, tiveram um “hedge” ou seja uma proteção contra a volatilidade cambial que troca a exposição à variação da moeda americana pela indexação ao certificado de depósito interfinanceiro.

O salto inexplicável das ações

Mas não é só a dívida o ponto crítico da Ambipar atualmente. Especialistas ouvidos pelo InvestNews afirmam que a forma como aconteceu a repentina valorização das ações também arranhou a confiança do investidor na companhia.

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A ampliação da fatia de ações detidas por Térsio, de 67% para 73%, teria impulsionou a valorização dos papéis e colocou pressão nos investidores que mantinham posições vendidas da ação. A posição vendida é uma estratégia que ganha com a queda da cotação. Com isso, quem estava vendido acabou tendo de comprar mais ações da Ambipar para evitar perdas maiores e cobrir as posições. Essa situação é conhecida como “short squeeze” no mercado.

Além disso, a aquisição pela gestora Trustee DTVM de participação relevante na companhia em agosto adicionou combustível na fogueira compradora. A casa chegou a ter mais de 15% do total de ações do grupo, mas reduziu a fatia para cerca de 9% no fim de 2024.

Se forem levadas em conta as cotações nos períodos de aquisições e vendas divulgados, a Trustee pode ter desembolsado cerca de R$ 1,1 bilhão para alcançar 15% de participação. Mas fez duas vendas de ações, uma em outubro de 2024 e outra em janeiro de 2025. E, com isso, pode ter levantado R$ 1,37 bilhão. Como ainda resta uma fatia de 8,89% no fundo, com um valor de mercado de cerca de R$ 1,9 bilhão, até o momento o lucro da gestora seria de 197%.

É importante observar que o volume de negócios das ações da Ambipar que estão nas mãos do mercado caiu muito desde o pico da cotação. Na metade do ano passado, o giro diário do papel alcançou quase R$ 200 milhões. Hoje está em pouco mais de R$ 5 milhões. Com um nível tão baixo de liquidez, qualquer movimentação no mercado é capaz de jogar para cima ou para baixo o preço.

Desafios bilionário

Na fase pós-IPO, Tercio acabou voltando à cadeira de CEO em junho de 2023. O fundador assumiu a missão de recolocar a companhia nos trilhos. Nessa nova fase, elegeu como prioridades a redução do endividamento, a consolidação das aquisições feitas e a melhora dos indicadores operacionais. Em julho de 2024, recrutou como novo diretor financeiro (CFO), um executivo do mercado, João Arruda, então no Bank of America.

Do ponto de vista dos fundamentos, a Ambipar vive um momento mais favorável em 2025. Existe um esforço de redução de endividamento e de alongamento de vencimentos financeiros, iniciado após o fundador e sócio majoritário Tercio Borlenghi Jr ter voltado ao leme da companhia em julho de 2023.

Após pausar a estratégia das aquisições, o grupo se concentra atualmente em um processo de consolidação do portfólio. Agora, o desafio é mostrar que seguir sua ambição global vai justificar o salto de quase 10 vezes do valor de mercado dos R$ 2,5 bilhões na época do IPO para os atuais R$ 22 bilhões.

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